Jesus tem um propósito muito claro na sua missão pública: dar a conhecer que Deus é Pai rico em misericórdia. Enfrenta toda a espécie de situações e recorre às mais diversas formas de transmissão da mensagem. Junto do povo simples, dos discípulos, dos grupos religiosos. Nos campos, nas aldeias, nas cidades por onde passa a caminho de Jerusalém.
Hoje, segundo Lucas, o evangelista narrador, a sua comunicação é apresentada na parábola do rico avarento e do pobre Lázaro. Parábola que realça o contraste entre os protagonistas: um, com vida regalada, tudo de bom, a gozar do melhor a cada instante, “orgulhosamente só”, numa indiferença ostensiva, consciência anestesiada, coração adormecido, sem nome; outro, identificado com nome próprio, Lázaro que quer dizer “aquele que Deus ajuda”, na mais completa miséria, tendo por companhia uns cães que vinham limpar-lhe as feridas. Um abismo incomensurável a separar o que jaz às portas do palácio de quem se banqueteia diariamente.
Este modo de vida no presente não augura nada de bom no futuro. E a segunda parte da parábola é contundente anunciando uma reviravolta completa.
No «Encontro de Assis» ocorrido esta semana sobre o tema “A sede de Paz” em que participaram mais de quinhentos líderes das grandes religiões e culturas e muitos milhares de pessoas, interveio o padre Tolentino de Mendonça que afirmou: "... Os pobres sentam-se muitas vezes às portas das igrejas. Na realidade, eles não estão sentados à frente da porta, são eles a porta para chegar a Deus, este Deus que nos pergunta sempre: «Onde está o teu irmão?». Os pobres mostram-nos Deus".
O propósito de Jesus continua a ser muito actual. A organização da sociedade fomenta a posse abundante dos ricos que são cada vez menos e acumulam cada vez mais e provoca o crescimento exponencial de lázaros em todos os recantos do mundo. Verdadeiro crime contra a humanidade. Atentado de morte contra a dignidade. Bomba relógio pronta a explodir em violências de todo o tipo. Os alertas fundamentados surgem de vozes autorizadas, como o Papa Francisco, Dalai Lama, Bartolomeu.
Desta desigualdade injusta surgem muitos outros males que fazem milhões de vítimas. Onde estão os lázaros de hoje? Quem lhes dá nome de identidade? E quem se envolve na sua libertação integral?
Jesus entra em tensão com os fariseus, dirigentes do povo, rigoristas no cumprimento da Lei em todos os campos e situações da vida, “conservadores zelosos e criadores de novas tradições através da interpretação da Lei para o momento histórico em que vivem”. E faziam-no em nome da pureza da religião, da fidelidade aos preceitos e costumes. E sempre por obediência a Deus.
Certamente que eram sinceros nas suas convicções e zelosos na sua transmissão. Mas este rosto de Deus contrasta radicalmente com o Deus da misericórdia que Jesus anuncia com tanto júbilo e de modos tão expressivos. Anúncio que ilumina as situações de vida e ajuda a discernir o que está ou não está conforme aos valores do projecto de salvação e, por isso, é espelho da vontade de Deus.
Assim, fica expresso com toda a clareza que é preciso vencer a indiferença face à desumanidade e envolver-se na busca de ajudas de promoção libertadora; adoptar um estilo de vida sóbrio e sustentável para todos; lançar pontes solidárias que aplanem os abismos existentes; escutar a voz das vítimas que se erguem do silêncio da morte e encontram eco vibrante nas Escrituras e nos gritos angustiantes da humanidade; reconhecer que os pobres são “vigários” de Jesus Cristo, como nos ensina Mateus 25, 40; assumir o desafio de produzir para servir o bem comum; de reduzir o consumo para poupar; de reciclar e reutilizar para evitar desperdícios e degradar a criação e o ambiente; de redistribuir para que não sobre na casa de um o que falta na casa de outro; de rezar para estar em sintonia com o projecto que Jesus apresentou na sua mensagem de salvação. Coerentemente, é urgente sermos pessoas de bem.
A prática do “bem” não é coisa do “amanhã” nem tão pouco algo que possa ficar “no congelador”, afirma o Papa Francisco, deixando alguns exemplos que ajudam a luz da fé a permanecer ligada. “Cuidem da luz (…) a luz da amizade, a luz da mansidão, a luz da fé, a luz da esperança, a luz da paciência, a luz da bondade”.