Reflexão de Georgino Rocha
Jesus cumpre a promessa feita aos discípulos no discurso da despedida. Havia-lhes garantido que não ficariam órfãos, que lhes enviaria o Advogado defensor, o Espírito Santo. Enuncia a sua principal missão: fazer memória do sucedido, guiar para verdade plena, ser garante da paz e do mútuo entendimento, mostrar o pecado do mundo, acompanhar e animar os discípulos na realização fiel do “ide por todo o mundo e anunciai o Evangelho”, perdoai os pecados, sede minhas testemunhas.
João, o narrador do episódio, coloca a realização desta promessa no próprio dia da ressurreição, o primeiro da semana. Lucas prefere fazê-la coincidir com o pentecostes judaico, a festa das primeiras colheitas que atraia ao templo de Jerusalém os peregrinos da diáspora que falavam as línguas das culturas onde residiam. Tanto um como outro, recorrem a imagens muito expressivas que conservam toda a actualidade. Destacam-se algumas pelo seu alcance simbólico.
O dia em que isto acontece indica a novidade da fase histórica que o Espírito protagoniza com os discípulos, a Igreja. O primeiro dia da semana é o dia do Senhor ressuscitado, o domingo cristão, o início de um tempo aberto ao futuro de Deus, vivido no quotidiano e celebrado nos momentos festivos. O Pentecostes significa os cinquenta dias da plenitude, da “re-educação” que Jesus ressuscitado faz aos discípulos, comprovando que está vivo de modo diferente e conta com eles para prosseguirem a sua obra. É o coroar deste processo que deve ser prosseguido pelo Espírito. E na pessoa dos discípulos, está a Igreja, estamos nós, está a humanidade. Todos a caminho da verdade plena.
O local onde acontece muda de referência: da sala fechada à praça pública, do coração amedrontado ao rosto confiante e destemido, da memória saudosa ao sonho profético centrado no envio missionário. É o símbolo de uma Igreja que abre portas e, confiante, faz-se aos caminhos da humanidade ferida a anunciar que outro mundo é possível.
Sopro de Jesus, rajadas de vento, línguas de fogo são metáforas da realidade nova a emergir – o Espírito Santo, da força divina a operar, do dom concedido a florir em acções de transformação libertadora. Embora nem sempre nos demos conta.
O Papa Francisco, ao falar desta realidade maravilhosa afirma: “Mas nós, em nossas vidas, temos em nossos corações o Espírito Santo como um ‘prisioneiro de luxo’: não deixamos que ele nos impulsione, não deixamos que nos movimente. Ele faz tudo, sabe tudo, sabe lembrar-nos o que Jesus disse, sabe explicar as coisas de Jesus”. E continua lembrando uma outra faceta. “Somente uma coisa o Espírito Santo não sabe fazer: ‘cristãos de salão’. Isto ele não sabe fazer! Ele não sabe fazer ‘cristãos virtuais’. Ele faz cristãos reais, Ele assume a vida real como ela é, com a profecia de ler os sinais dos tempos e assim nos levar avante. É o maior prisioneiro do nosso coração. Nós dizemos: ‘É a terceira Pessoa da Trindade e acabamos ali…”.
Admirável leitura, cheia de humor sadio e interpelante, nos trazem estas afirmações. Constituem uma espécie de espelho da nossa relação com o Espírito que nos habita e quer conceder-nos os seus dons a fim de darmos fruto digno da condição de filhos de Deus.
“O Pentecostes, escreve Lidia Maggi, pastora batista italiana. coloca novamente no centro a Palavra que, sem o Espírito, é morta, e o Espírito que, sem a Palavra, é afónico. A Escritura oferece a partitura; o Espírito inspira a execução da sinfonia. E a Igreja é a orquestra chamada a executar o concerto de Deus, para este nosso tempo”.
Belo resumo que nos convida a descobrir o nosso lugar na orquestra, a conhecer a partitura, a desempenhar a nossa função, a libertar a voz do Espírito na sinfonia das linguagens do nosso tempo, a afinar o ritmo do nosso viver no concerto universal de Deus. Aceita o convite. Entra na festa.