Crónica de Anselmo Borges
1. Afirma-se que a religião está em decadência e lentamente Deus ficará obsoleto.
Esta leitura é apressada. De facto, não se pode estender ao mundo inteiro o que se aplica apenas à Europa e, mesmo na Europa, com reservas. Apresento, seguindo o sociólogo Javier Elzo no seu livro Quién Manda en la Iglesia?, uma síntese de dados estatísticos, a partir de inquéritos e sondagens mundiais recentes. Assim, Jean-Marc Leger, presidente da Win/Gallup, talvez a maior associação mundial de estudos de mercado e sondagens de opinião sobre diferentes temas, incluindo o religioso, na apresentação em 2015 do macroestudo realizado em 2014 sobre as crenças religiosas em 65 países no mundo inteiro, afirmou que "a religião continua a dominar a nossa vida quotidiana, pois constatamos que actualmente o número total de pessoas que se consideram a si mesmas religiosas é relativamente elevado". A média dos 65 países inquiridos: 63% das pessoas dizem-se religiosas, 22% não religiosas e 11% ateias. Segundo o Pew Research Centre, organismo americano independente, a percentagem é superior: 84% da população mundial confessa-se religiosa.
Javier Elzo dá exemplos de percentagens de pessoas que se dizem religiosas em diferentes países. Itália, 74%; Rússia, 70%; Portugal, 60%; Estados Unidos, 56%; França, 40%; Espanha, 37%; Alemanha, 34%; Israel, 30%; Reino Unido, 30% e Suécia, 19%. Percentagens de pessoas que se dizem "ateus convictos": Espanha, 20%; França, 18%; Alemanha, 17%; Suécia, 17%; Reino Unido, 13%; Portugal, 9%; Israel, 8%; Itália, 6%; Rússia, 5% ("por alguma razão, os estudiosos do fenómeno religioso na Rússia falam da era pós-ateia"). O número de cidadãos que se dizem ateus é superior na República Checa, 30%; Japão, 31%; Hong Kong, 34% e China, com 61%. Excluindo a China e o Japão, é na Europa que se concentra a maior parte de ateus. Mas, como a BBC acaba de anunciar, a China, apesar do controlo governamental, pode tornar-se já em 2030 o país com maior número de cristãos do mundo.
O presidente da Win/Gallup acrescentou, embora a afirmação não valha hoje para a Europa Ocidental: "Além disso, com a tendência de uma juventude cada vez mais religiosa à escala mundial, podemos supor que o número de pessoas que se consideram a si mesmas religiosas aumentará." Elzo sustenta que, na Europa Ocidental, "estamos nos alvores da era pós-secular". Já Peter Berger, em The Desecularization of the World, tinha denunciado como errada a tese de que a "modernização conduz de forma inelutável ao ocaso da religião, tanto na sociedade como na consciência dos indivíduos".
De qualquer modo, Deus continuará sempre presente, pelo menos, na pergunta por Ele. E a pergunta por Ele é já resposta nossa a perguntas que a realidade nos faz. Porque há algo e não nada? Donde vimos? Para onde vamos? Porque se deve fazer o bem e não o mal? Acaba tudo com a morte? Qual é o sentido último da existência? Como escreveu Eduardo Lourenço no prefácio ao meu livro Deus ainda Tem Futuro?, "Do silêncio de Deus que nós mesmos criámos não virá nenhum socorro. É diante dele como Ausência suposta e Presença agostinianamente mais interior a nós mesmos do que nós que somos convocados para fazer prova de vida. E de vida eterna. A única que nos ajuda a suportar todas as ausências dos que nesta vida nos foram, à maneira de Dante, reflexos de uma Luz mais clara do que a do Sol e das estrelas."
2. Mais do que de ateísmo, do que se trata é de desafeição pelas religiões instituídas. Mesmo assim, ficam aí, a partir da revista Philosophie Magazine (Set. 2015), os resultados do último grande estudo do Pew Research Center sobre as religiões em 2050. Evolução do número de crentes no mundo, comparando os anos 2010 e 2050: cristãos: 2170 milhões, 2920 milhões; muçulmanos: 1600 milhões, 2760 milhões; hindus: 1030 milhões, 1380 milhões; budistas: 490 milhões, 490 milhões; judeus: 10 milhões, 20 milhões; sem religião: 1130 milhões, 1230 milhões.
Atendendo a quatro grandes variáveis - a taxa de fertilidade, a idade das populações, a taxa das conversões e as migrações -, revelam-se duas grandes tendências: um "crescimento excepcional do islão (+73%), que vai crescer duas vezes mais depressa do que a população mundial (+35%) e impor-se como uma religião mundial, tão importante como a cristã; depois, o declínio relativo dos não crentes, agrupados aqui no grupo dos não afiliados, incluindo ateus, agnósticos e os que se não identificam com nenhuma religião: em 2050, serão mais 61 milhões, mas não representarão mais do que 13% da população mundial (contra 16% hoje)". A Europa, e em particular a França, constituem excepção: concretamente na França, os não afiliados poderão ver o seu peso duplicar (passando de 28% para 44%), tornando-se o grupo maioritário, à frente dos cristãos (43%). De qualquer modo, concluem os autores do estudo: "As religiões revelam-se muito mais resilientes do que o que se tinha previsto."
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.