Reflexão de Georgino Rocha
Betânia |
Jesus leva os discípulos para as proximidades de Betânia, terra de referência para algumas iniciativas da sua missão, ergue as mãos estendidas e abençoa-os. Depois, oculta a sua presença física, indicando outro modo de estar com eles e de os acompanhar na missão de serem suas testemunhas. Promete-lhes o Espírito Santo que, em breve será enviado, promessa cumprida na celebração que a Igreja faz no Pentecostes. Será ele a luz da memória, a força do testemunho no presente e o guia dos caminhos a percorrer rumo ao futuro desejado.
Sem Jesus na liderança visível, os discípulos ficam perante os desafios que surjam no cumprimento fiel do mandato que receberam. Recorrem, por isso, à oração comunitária, promovem assembleias conjuntas, apelam à participação de quem está envolvido, bendizem a Deus pelas maravilhas que vão fazendo em nome de Jesus ressuscitado. Exemplos deste modo de proceder são a escolha de Matias para “ocupar” o lugar de Judas, o traidor, o processo de eleição dos “diáconos” para o serviço das mesas, o “concílio” de Jerusalém para dirimir a questão de saber se para ser cristão é preciso ou não praticar antes os ritos judaicos. E surge a sentença normativa para o agir das comunidades eclesiais: “Decidimos o Espírito Santo e nós…”
Animados pelo Espírito, crescem na alegria do amor, na entrega confiante, no ardor da missão, na comunhão fraterna respeitadora das diferenças legítimas, na responsabilidade comum e na autonomia pessoal. Afirmam a novidade do tempo histórico, que é o da Igreja, em que a “liderança” humana tem um guia indissociável: o Espírito Santo que distribui os seus dons por aqueles que lhe são fiéis.
Nem sempre a história regista esta clareza, surgindo fases marcadas pela absorção da responsabilidade quase total por alguns e pela passividade servil da grande maioria. E chegou-se a defender que assim estava bem porque correspondia à vontade explícita de Jesus. No entanto, o Espírito vem suscitando dinamismos de renovação e a Igreja com o Papa Francisco parece “estar a mexer-se” e a procurar ser mais fiel ao projecto inicial.
Lucas, o autor da narração da Ascenção, dedica a este “momento” solene duas versões: a que marca o final do seu Evangelho e a que inicia o livro dos Actos dos Apóstolos. Faz assim a ponte entre a sequência do que acontece. Recorre a uma linguagem espácio-temporal: a do sobe e desce, a de ir e vir, a do céu e da terra, a do olhar fixo nas alturas e do percorrer os caminhos da vida, chegar aos confins do mundo. São imagens muito expressivas, cheias de simbolismo e de grande sentido para o nosso tempo, Vale a pena deter-nos em algumas.
Ascenção, hoje, para elevar o apreço pela vida, sobretudo humana e mais desprotegida, libertar de todas as dependências “obsessivas” tecnológicas e comunicacionais, derrubar os muros da indiferença, da injustiça e da morte, resgatar do cativeiro os vendidos na sua dignidade e os endividados/enganados na penhora dos seus bens, superar vícios deprimentes e costumes desumanizantes. Ascenção para ir como samaritano pelos caminhos da vida e tirar as cataratas dos olhos velhos, parados no tempo, míopes no presente e fechados ao futuro aberto à novidade do Espírito. Ascenção para oferecer razões de esperança, despertar o instinto criativo, interpretar os sinais dos tempos, avivar continuamente a consciência de que o Pai nos aguarda com ternura e misericórdia.
Erguer e estender as mãos sobre a humanidade ferida, a terra maltratada, a criação desregulada e adulterada, a Igreja lenta na saída missionária e no ritmo da renovação fiel, os cristãos e suas associações a necessitarem de acertar o seu relógio pela hora de Deus que, humanamente, se manifesta no “hoje”, seus dramas e suas vitórias. Manter as mãos erguidas e estendidas para dar ânimo, ser prestável, cooperar, abençoar.
Abençoar para bendizer o bem anónimo que se faz e quem o faz, os portadores de boas notícias, os mensageiros do Evangelho da alegria e do amor, os semeadores de esperança e de humor. Abençoar para fazer surgir o apreço pela família, o jeito de ajudar quem se encontra desiludido nos sonhos que idealizou e “ferido” no desejo de ser feliz.
Abençoar para que a nossa vida seja uma bênção de Deus. Na alegria do amor. Sendo testemunhas de Jesus ressuscitado. Com a força do Espírito Santo. Para que brilhe em nós o novo rosto de Cristo.