Reflexão de Georgino Rocha
«Ser discípulo é olhar com ternura
A relação de Jesus com as pessoas mostra-se de forma expressiva no seu olhar. Mc 10, 17-27. Olha com ternura o homem que vem a correr para lhe perguntar o que há-de fazer para alcançar a vida eterna. Fita os olhos nos discípulos que ficam espantados pela resposta/comentário dada na sequência da atitude assumida por aquele “peregrino” da verdade. É igualmente expressivo o modo como olha e se compadece das multidões, de Pedro, da mulher adúltera, e de tantos outros que se foram cruzando com ele nos caminhos da missão. Foi assim outrora nas terras por onde passava. É assim agora nas situações em que está presente connosco. Que certeza tão confiante e desafio tão estimulante!
O episódio narrado por Marcos contém um valor simbólico, além de algum suporte histórico. É muito significativo o detalhe de que “naquele tempo ia Jesus pôr-se a caminho”. Parece que todo o tempo é seu, que faz a sua gestão como entende, que pressente o que vai acontecer. Talvez haja aqui um sentido oculto que se veio e revelar: dar possibilidades de chegar a quem o procurava a correr, a quem sente fortemente o impulso do coração, a quem tem perguntas fundamentais a fazer-lhe.
O homem é um ser que faz perguntas. Desde pequenino até ao último momento de lucidez. E em qualquer idade da vida surge a pergunta do sentido da existência, do rumo do trajecto que vem prosseguindo, do desfecho da história pessoal e colectiva, do futuro definitivo, da vida eterna. E deseja receber resposta adequada, em sintonia com a intensidade da sua busca; resposta que dê consistência à sua corrida e alimente a esperança de vir a alcançar o que pretende; resposta que reforce a comunhão do que vive com aquilo que tanto quer viver um dia: a felicidade plena e definitiva no seio de Deus, em ambiente festivo de família ampliada a toda a humanidade.
O desfecho da corrida está condicionado pelas atitudes do corredor. Mas é a vitória final que leva a mobilizar todos os recursos. Ela compensa renúncias e esforços. Ela encanta, atrai e seduz. Ela dá sentido aos êxitos ou fracassos que possam ocorrer no percurso.
Jesus é muito claro. Promete o tesouro no Céu a quem seguir os seus passos na terra, for seu discípulo. A tempo inteiro e de forma integral. Em plena liberdade de comunhão. Todos os outros bens são relativos. Se servem esta liberdade, integram-se facilmente. Se não, há que desfazer-se deles, partilhando-os com os pobres. Só um coração liberto, pode anunciar a liberdade e ajudar a libertar.
Ser discípulo é olhar com ternura os outros e as suas situações. Apreciar os valores que comportam e proporcionar-lhes a ajuda de que precisam para dar o passo possível na busca de um bem maior: sentir-se amado por Deus e procurar corresponder-lhe com a medida cheia.
A Igreja vive uma fase típica na realização da sua missão. Chamada a olhar a realidade familiar com a ternura da misericórdia e a firmeza da verdade, quer anunciar a beleza do matrimónio e da família, e encontrar as orientações evangélicas mais adequadas à diversidade de situações.
“Não à rigidez: Deus quer misericórdia” – clama o Papa Francisco no seu estilo claro e assertivo. E continua dizendo que o coração duro é o verdadeiro perigo para o ser humano porque não deixa entrar a misericórdia de Deus.
Olhar as pessoas com o olhar que Jesus tinha. “Interessava-se primeiro pelo seu sofrimento e, depois, chamando o pecado pelo seu nome, anunciava ao pecador o perdão e a misericórdia de Deus, daquele «Pai seu» que não quer a condenação do pecador, mas que este se converta e viva em plenitude” – afirma Enzo Bianchi, fundador da comunidade de Bose. E conclui: Nesse olhar “está a capacidade da Igreja ser «perita em humanidade».
Este é o olhar de cada cristão, de toda a Igreja em Sínodo. Acolhamos o pedido do Papa Francisco: “Rezemos pelos Padres Sinodais para que, iluminados pelo Espírito Santo, possam dar à Igreja, como família de Deus, novo impulso para lançar as suas redes que libertam os homens da indiferença e do abandono, promovendo o espírito familiar no mundo”.