Reflexão de Georgino Rocha
Mar da Galileia |
Vamos navegar no rumo certo,
apesar dos ventos furiosos
e das marés contrárias!
A travessia do mar da Galileia constitui um momento privilegiado para Jesus mostrar aos discípulos quem é por meio das acções que faz. Mc 4, 35-41. Serve igualmente de “cenário” do ambiente de turbulência e perseguição em que vivem as comunidades a que o autor dirige a narrativa. Projecta luz sobre a relação do homem com as forças da natureza, as tempestades ambientais e a bonança do equilíbrio recuperado. Deixa em aberto a pergunta expectante dos discípulos: “Quem é este homem a quem o vento e o mar obedecem?”
Após uma jornada tranquila de missão, em que se sucedem parábolas ricas de ensinamentos, Jesus convida os discípulos a passarem à outra margem, pois estavam à beira mar. No percurso, sem nada o prever, surge uma tempestade que ameaça a embarcação e os tripulantes. As águas ficam tão revoltas que facilmente podem submergi-los. Atemorizados pela iminência dos perigos e intrigados pela atitude de Jesus que continuava a dormir deitado à popa, erguem a voz e clamam: “Mestre, não te importas que pereçamos?” Ele levanta-se, fala imperiosamente ao vento e mar, ordenando-lhes que regressem à quietude inicial. E surgiu a grande bonança da harmonia das forças da natureza e a tranquilidade de ânimo dos homens amedrontados. Jesus aproveita para dar um esclarecimento complementar, em género de pergunta com sabor de censura: “Porque estais assustados? Ainda não tendes fé?”
Salvos do naufrágio ameaçador, podem seguir para a outra margem onde a missão continua. Era terra de “pagãos”, talvez adoradores de outros deuses, indiferentes à religião dos Judeus, dedicados ao comércio, orgulhosos do seu poderio. Serenos e lúcidos, os discípulos podem continuar na companhia de Jesus e anunciar a novidade da sua façanha, do seu Evangelho. De facto, a sua mensagem afirma a harmonia integral de toda a criação e de todas as criaturas, a interdependência dos seres entre si e com o ambiente, a escala de valores em que todos se incluem, cada um a seu nível, a responsabilidade humana na gestão ética das energias da vida, a providência amorosa do nosso Deus que, de forma discreta, mas persistente, acompanha a evolução dos acontecimentos e inspira o desejo da humanidade chegar à margem onde “outro mundo é possível”.
O Papa Francisco, na sua encíclica “Louvado Seja” dedicada ao cuidado da criação, destaca algumas constantes que acompanham todo o documento. E são elas: a íntima relação entre os pobres e a fragilidade do planeta, a convicção de que no mundo está intimamente conexo; a crítica ao novo paradigma e às formas de poder que derivam da tecnologia; o apelo a encontrar outros modos de entender a economia e o progresso; o valor próprio de cada criatura; o sentido humano da ecologia; a necessidade de debates sinceros e honestos, a grave responsabilidade da política internacional e local; a cultura do descartável e a proposta de um novo estilo de vida. São temas continuamente retomados ao longo da encíclica e não “arrumados” em simples enunciados. LS 16.
Outro mundo é possível. Vamos navegar no rumo certo, apesar dos ventos furiosos e das marés contrárias! Vamos procurar chegar a porto seguro, onde todos têm abrigo e segurança e podem contemplar a beleza do mar, sentir o calor do sol, apreciar a leveza do ar e a pureza transparente da água, a grandeza do universo. Vamos descobrir e apreciar a “impressão digital” do Criador e os vestígios do rasto histórico de Jesus que, por meio do seu Espírito, nos confia a missão de renovar continuamente a face da terra.