Reflexão de Georgino Rocha
Georgino Rocha |
“Eu sou o Bom Pastor” – afirma Jesus, fazendo o seu autorretrato com os traços mais marcantes da sua identidade. Recorre a uma metáfora muito conhecida dos ouvintes, sobretudo a partir do profeta Ezequiel, em que se espelha a relação de Deus com o seu povo. Aproveita a oportunidade surgida com a tensão provocada pelos fariseus durante a cura do cego de nascença. Repete várias vezes esta declaração que contrasta fortemente com o proceder dos pastores mercenários, que usam o nome e assumem a função, mas não a desempenham com honradez, sobretudo quando o perigo ameaça.
Na metáfora, o perigo reveste a pele e a fúria do lobo esfaimado; os mercenários são o rosto dos fariseus e de outros líderes; o rebanho é o povo que Deus ama e confia aos seus encarregados de o guiarem nos caminhos da vida; o pastor bom e belo é Jesus que, segundo João o narrador da cena, se apresenta desta forma clara e solene. Jo 10, 11-18. Também a iconografia paleocristã reproduz a imagem de Jesus com uma ovelha aos ombros, sinal da consciência dos cristãos na sua força representativa. E hoje, apesar da mudança cultural, mantém uma interpelante mensagem.
O texto litúrgico selecionado para este domingo faz parte de um conjunto mais vasto dedicado pelo evangelista à catequese sobre Jesus e realça a sintonia da sua missão com o projecto de Deus Pai. Jesus é o pastor definitivo que cumpre a promessa feita há séculos e se mantém em aberto. A solicitude de Deus pelo seu povo manifesta-se plenamente em Jesus, o bom pastor. Ele é a solicitude de quem guia, cuida, protege, reúne, dá a vida, conhece pelo nome, atrai os dispersos ao redil familiar e acarinha com ternura e desvelo.
Que beleza de modelo nos é proposto! Que vigor de apelo nos é feito! “Atreve-te a seguir Jesus, o Bom Pastor”. E o encanto do ideal deixa de ser apenas sonho adiado e faz-se realidade premente, transformando-se em força de intervenção humanizante.
Em Jesus, a vida é dom que se entrega voluntariamente. A melhor maneira de a conservar é fazê-la doação, livre e generosa, ainda que sofrida e crucificada. O amor constitui a força motriz da doação. O egoísmo surge como o maior inimigo da vida, a grande negação da humanidade. O conforto do bem-estar material limita drasticamente o horizonte da dignidade humana integral a que todos estamos chamados. O isolamento imposto amarfanha a tendência natural e educada para a relação solidária, fonte de vitalidade criativa. Matar a vida, em qualquer das suas modalidades, é fazer do jardim da esperança a florescer num mundo novo um cemitério de cadáveres ressequidos e de cinzas cremadas. Dar a vida por amor é a afirmação do melhor que em nós existe como foi em Jesus, o Bom Pastor.
A relação do pastor com as ovelhas é de conhecimento mútuo, de escuta amiga e de pertença recíproca. São um só rebanho. Vivem em clima familiar. Envolve a pessoa toda nas suas múltiplas dimensões: afectivas, intelectuais, relacionais, transcendentes. Esta relação interpessoal faz desabrochar as energias humanas enriquecidas pela graça baptismal e habilita cada cristão para ser um pastor que, a seu modo, assume a missão de Jesus Cristo, o Bom Pastor.
Ser pastor com o estilo de Jesus, começando na família e alargando progressivamente até abranger todos os espaços da vida em sociedade e na Igreja. “Como seria bom, salutar, libertador, esperançoso, se pudéssemos trilhar este caminho! Sair de si mesmo para se unir aos outros faz bem. Fechar-se em si mesmo é provar o veneno amargo do imanentismo, e a humanidade perderá com cada opção egoísta que fizermos” – garante o Papa Francisco na Alegria do Evangelho, nº 87.