Crónica de Anselmo Borges
Anselmo Borges |
Haverá alguém que duvide de que vivemos num mundo, por um lado, exaltante, mas, por outro, sobretudo um mundo perigoso, ameaçador?
Numa conferência recente, o filósofo e teólogo Xabier Pikaza alertava para os perigos e as ameaças e enumerava as quatro bombas que pesam sobre a humanidade e o seu futuro.
Chamava a atenção, em primeiro lugar, para a possibilidade da guerra universal, com armamento nuclear: a bomba atómica. O Big Bang foi há 13 700 milhões de anos, e nós, Homo sapiens sapiens - acrescente-se sempre, e demens demens: homem sapiente sapiente e demente demente -, aparecemos recentemente, quando se considera todo o processo de 13 700 milhões: há uns 150 mil anos. Mas, se até aos meados do século passado, vivíamos ainda separados uns dos outros e, sobretudo, a capacidade de destruição era limitada, com a bomba atómica a humanidade pode destruir-se e acabar. O processo que permitiu o nosso aparecimento tem milhares de milhões de anos, mas agora temos a possibilidade de nos matar e destruir em poucos dias ou mesmo poucas horas. Podemos optar por uma morte global. Quem pode garantir, por exemplo, que grupos terroristas não venham a ter acesso ao armamento atómico?
No passada quarta-feira, deveríamos ter lembrado de modo especial a Terra. De facto, o dia 22 de Abril foi estabelecido pela Assembleia Geral da ONU como o Dia Internacional da Mãe Terra. A Terra é efectivamente nossa mãe. No processo da evolução da Terra e na Terra, aparecemos como fruto seu: somos natureza, embora natureza humana, significando isso que somos da Terra, servindo-nos dela, mas ao mesmo tempo sendo responsáveis por nós e por ela. Sabemos que está em perigo e, consequentemente, que nós estamos em perigo. Se não cuidarmos dela, ela expulsar-nos-á dela. Os perigos são iminentes: pense-se no aquecimento global, nos índices da poluição, na destruição da biodiversidade... O célebre biólogo Edward O. Wilson, autor do termo "biodiversidade", conhecendo bem as ameaças, escreveu: "A criação: salvemos a Terra". O conhecido geneticista Albert Jacquard acha que estamos a preparar "o suicídio colectivo". James Lovelock, autor da teoria de Gaia, isto é, da Terra como organismo vivo, alerta para o risco de nos finais deste século desaparecer grande parte da humanidade.
A produção de ciência e tecnologia é característica essencial da pessoa humana. Mas será que tudo o que é tecnicamente possível é moralmente bom? Há agora possibilidades até há pouco insuspeitadas de manipulação genética e, mediante cruzamentos de várias tecnologias que se aproveitam dos conhecimentos da genética e também das neurociências, da computação, da cibernética, de fabricar humanóides em série, uma espécie de híbridos humanos, "máquinas espirituais" com algum tipo de consciência. O que acontecerá então com essas novas entidades, controladas e ao serviço de poderes incontroláveis?
A quarta bomba não é a menos ameaçadora: "o cansaço vital". Até agora, apesar de todas as crises, continuámos, porque havia um estímulo, um prazer, a vida era sentida como um dom e uma aventura. Mas hoje muitos sentem que já não vale a pena existir, a vida é sentida mais como um risco, uma tragédia e um fardo do que como um dom e uma aventura que valem a pena. Por isso, negam-se a ter filhos, promovendo uma espécie de suicídio, pelo "cansaço de uma vida que parece sem fundamento nem futuro".
É na Europa que este cansaço parece mais sentido, sendo bem possível que a desafeição religiosa contribua para a vivência do vazio existencial e axiológico. Assim, o filósofo agnóstico Gilles Lipovetsky faz notar que a reactivação da crença hoje, com o reinvestimento em antigas e novas espiritualidades, se explica pela exigência de sentido englobante, de referências, de uma integração comunitária: "É o que o homem necessita para combater a angústia do caos, a incerteza e o vazio."
Neste sentido, quando a Europa parece envergonhar-se das suas raízes cristãs, foi para muitos uma saudável e bela surpresa a saudação de Páscoa do primeiro-ministro britânico, David Cameron, de que fica aí o essencial. "A Semana Santa é um tempo no qual os cristãos celebram, com a ressurreição de Jesus, o triunfo da Vida sobre a morte. Para todos os outros, é o momento de reflectirem sobre o papel que desempenha o cristianismo nas nossas vidas." O cristianismo é "uma forma de vida": quando há sofrimento, necessidades, a Igreja está presente. "Sei por experiência que, nos piores momentos da vida, a proximidade da Igreja é uma enorme consolação." Através de toda a Inglaterra, a Igreja pratica o amor; por isso, "deveríamos sentir orgulho em dizer: este é um país cristão". Acolhemos e abraçamos todas as religiões e quem não tem nenhuma, "mas somos um país cristão". Como tal, "temos o dever de erguer a voz e denunciar a perseguição dos cristãos no mundo". Devemos recordar e agir a favor de todos estes "cristãos valentes" que sofrem.