Reflexão de Georgino Rocha
Escutar Jesus, eis a ordem do Pai que tinha falado muitas vezes ao longo da história. Mc 9, 2-10. Agora é o seu Filho muito amado que tem a Palavra, ou melhor, é a Palavra de Deus num mundo cheio de vozes e mensagens. Segundo a Bíblia, escutar não é apenas prestar atenção ou exercer uma actividade auditiva que facilita a compreensão intelectual do que é dito. É mais, pois exige a aceitação da mensagem, a atitude de quem deseja ser coerente e viver em sintonia, a decisão de lhe ser fiel. Que bem nos faria saber ouvir. Não percamos a força do seu apelo.
“Escutar o Filho” significa assumir os seus sentimentos filiais para com Deus Pai e fraternos para com os irmãos na fé e na humanidade. Significa abrir o coração às dimensões do seu amor e optar por aqueles a quem ele dá preferência. Significa ter, como meta da vida, o serviço ao reino que ele nos confia. Significa obedecer-lhe, pois este acto humilde constitui a verdadeira grandeza humana. Que bom seria crescermos nestas dimensões todas. Não esqueçamos nenhuma.
Escutar a Deus é ouvir o grito dos empobrecidos e desviar-se das sentenças “loucas” dos que persistem em manter uma cultura de morte, uma ordem social e económica injusta e ofensiva, uma religião de conforto individualista e “descafeinada”. O clamor de uns contrasta com o silêncio abusivo de outros. Que humanidade a nossa!
Tal como outrora, o coração humano tem de ser inteligente e sábio, de vencer o embotamento a que está sujeito por tantas vozes tonitruantes de quem faz a opinião publicada e organiza a sedutora publicidade, de se pôr a caminho e ver, com um olhar novo, a realidade da planície, da vida de tantos milhões que, à maneira de Lázaro, jazem às portas dos enriquecidos, esperando algumas migalhas das suas requintadas mesas. O coração está chamado a transfigurar-se, contemplando a beleza de Jesus Cristo, o filho de Deus, vivenciando o apreço pela fraternidade que une e envolve todos os humanos, cultivando o respeito devido às criaturas e à criação. Transfigurar-se para deixar ver o seu melhor, superando aparências desfiguradoras.
Jesus usa uma pedagogia que a Igreja aconselha, sobretudo no tempo quaresmal: distanciar-se para estar mais próximo, fazer silêncio para melhor poder escutar, subir e contemplar a verdadeira grandeza humana para descer rapidamente e “arregaçar as mangas” em benefício dos que vêem espezinhada a sua dignidade, privar-se voluntariamente do que dá conforto para estar mais disponível e ter bens para partilhar, saborear desde já a alegria que a cruz do sofrimento por amor comporta em si mesma e torna contagiante.
A transfiguração faz-nos ver Deus nas novas formas de presença: a vida, seu dom por excelência; o mundo, seu jardim confiado ao homem; a bíblia, sua palavra escrita; os sacramentos, sobretudo a eucaristia, prendas do seu amor transformante; a Igreja, assembleia dos seus filhos que, em Jesus, querem aprender a ser coerentes com o que ouvem e vêem. Deixemo-nos transfigurar.