Crónica de Maria Donzília Almeida
Devo ter uma costela britânica, a julgar pela minha dedicação e gosto pela jardinagem que é apanágio dos britânicos. O amor do povo inglês pela jardinagem é notório e está bem patente tanto na esfera pública quanto na privada.
A primavera é uma estação muito, mas muito celebrada na Inglaterra. Ninguém aguenta mais o frio e chuva que predominaram durante todo o inverno e nada como a promessa de temperaturas mais elevadas e as carícias do sol.
A nova estação é a época ideal para que o país se dedique àquele que parece ser um dos hobbies nacionais preferidos: a jardinagem.
'conservatory' |
Há parques públicos em todas as cidades, mesmo que sejam de exíguas dimensões. Basta uma réstia de sol, que as pessoas vão dar uma voltinha no parque, a pé ou de bicicleta, jogar à bola com os filhos, fazer jogging ou piquenique com a família. É um regalo para os olhos de um turista, em passeio pelos parques londrinos, este espetáculo insólito: os executivos das empresas, de fato e gravata, sentados na relva, descalços, a espojarem-se ao sol, tal qual faz o Scott, ali no seu amplo espaço verde.
E todo o inglês que mora numa vivenda, cuida de seu jardim com paixão e devoção admiráveis.
Além do jardim, muitas pessoas têm um 'conservatory', um anexo à construção principal da casa, com grande janelas ou mesmo paredes de vidro, para aproveitar melhor a vista do jardim.
A jardinagem é uma atividade ao ar livre que alimenta o sentimento de admiração e apreciação do belo que a natureza nos oferece. Além disso, ajuda a estimular os sentidos, especialmente aos que cultivam flores em jardins ou varandas, já que as plantas nos encantam com diferentes cores e fragrâncias.
São tarefas da jardinagem: manusear a terra, semear, plantar, regar flores, podar, fazer a colheita. No final, uma sensação de dever cumprido, de paz e calma ao ver que o verde à nossa volta tem um pouco do nosso trabalho e dedicação. A função terapêutica da jardinagem não precisa ser expressa em palavras para quem gosta de cuidar do jardim e da horta, mas há sim uma relação quase medicinal entre a natureza e os cuidados com ela. Essa ligação entre jardinagem e terapia existe e é secular. Uma linha de tratamento psiquiátrico baseada na hortoterapia é usada desde o século XIX. Conta-se que o pintor Vincent van Gogh, quando decidiu internar-se por conta própria num sanatório em França, usava o tempo livre contemplando a flora daquela região da Provença. Essa observação deu origem a um frenesim de quadros que foram uma referência do impressionismo, como o famoso A Noite Estrelada.
Os preceitos da hortoterapia (adaptação do anglicismo Garden Therapy) envolvem a prática da jardinagem, fazendo com que o paciente coloque ”a mão na massa” e ocupe a mente com uma atividade que traga resultados práticos que podem ser contemplados.
Praticada ao ar livre, sob os afagos do astro-rei, acumula ainda os benefícios daí resultantes. A luz solar sintetiza a vitamina D que fornece o cálcio para os ossos, ao mesmo tempo que produz um antidepressivo natural, a serotonina que previne e trata a depressão. Tem o efeito dois em um!
A jardinagem tem a capacidade de dar à pessoa que a pratica um vislumbre do papel do ser humano e dos demais seres vivos no planeta, mesmo que inconscientemente. Há uma relação com os elementos básicos da vida (ar, água, terra), a interação e integração entre eles, uma noção de mortalidade que não nos choca mas nos remete ao nosso humilde papel no Universo. Inebria-nos a beleza das flores, frutos, legumes e demais plantas e a possibilidade de ouvir o canto de pássaros que buscarão o alimento e conforto no que foi plantado com nossas próprias mãos. Não há nada mais terapêutico do que descobrir com esses simples gestos feitos com ancinhos, sacholas, picaretas e terra, a riqueza e diversidade que a mãe natureza nos devolve em troca.
Amar a natureza, embrenhar-se nela e a cuidá-la, é levar ao expoente máximo, o princípio “Mens sana in corpore sano!”