Reflexão de Georgino Rocha
«Os magos visionários seriam hoje esta multidão de “peregrinos” que, no seu deambular, ainda têm forças para sonhar, pôr-se a caminho, correr riscos, ver naufragar expectativas, aguentar enganos, reanimar-se até alcançar o bem desejado. Mostram assim o valor da humanidade que os habita e da esperança confiante que a tudo se aventura e suporta.»
Fica perturbado o ânimo de Herodes, ao ouvir a notícia. Mt 2, 1-12. E com ele os habitantes da cidade de Jerusalém. Nem é para menos! Um cometa a deslocar-se nos céus em direcção ao Ocidente era sinal de catástrofe iminente, de calamidades públicas, de desordem política. Este modo de pensar, de que se faz porta-voz Plínio, o Velho, na sua História Natural, não podia deixar de gerar consternação e pânico. O facto de os Magos buscarem o “rei dos judeus” deixa perceber que os desacatos serão grandes e o tempo de Herodes está a expirar. Sobressalto é o mínimo que pode experimentar e a origem da força emocional da acção que vai empreender: aconselhar-se, chamar os mensageiros, dar-lhes indicações precisas, pedir-lhes informações e propor-se seguir os seus passos, logo que possível. Disfarça secretamente o móbil da sua vontade – o de evitar veleidades, matando o potencial candidato a rei – declarando querer ir adorá-lo.
E hoje que perturbação provocam nos “novos Herodes” os que vêm do Oriente próximo, da América Latina, da África Central e do Magrebe, da Europa de “leste”, da Ásia longínqua? Não é difícil ver as mãos vazias e o coração dorido dos foragidos pela intolerância religiosa, pelas pobrezas de todo o tipo, pela busca de novas oportunidades, de segurança na liberdade, de uma nova estrela para a vida atormentada e, por vezes, completamente desfeita. E quem os escuta e que acolhimento lhes é proporcionado? Os novos herodes do poder, do dinheiro, dos radicalismos, da exploração do homem pelo homem, das escravidões de toda a espécie.
Os magos visionários seriam hoje esta multidão de “peregrinos” que, no seu deambular, ainda têm forças para sonhar, pôr-se a caminho, correr riscos, ver naufragar expectativas, aguentar enganos, reanimar-se até alcançar o bem desejado. Mostram assim o valor da humanidade que os habita e da esperança confiante que a tudo se aventura e suporta.
O sobressalto de Herodes ocorre em tantos humanos que não são capazes de ver o brilho da estrela que aponta novos caminhos e vivem deslumbrados com a luz do seu “eu”, com a reverência dos apaniguados e com a subserviência de bajuladores “de ocasião”. Quando o coração pressente a ameaça pendente, a que subterfúgios recorre, tentando anular o perigo e impedir a alteração da situação instalada! E o massacre dos inocentes de todas as idades acontece. De quanto o engenho humano é capaz?! Ontem como hoje. E a novidade vem não só do Oriente.
Os Magos acabam por encontrar, deliciar-se com o que vêem, entrar em comunhão, partilhar o que tem e, avisados, regressar a casa por outro caminho. Desobedecem positivamente às ordens recebidas e, animados pela experiência feita, partem a anunciar “aos quatro cantos do mundo” o que tinham visto e ouvido. Bela lição. Forte interpelação.