Crónica de Anselmo Borges
«O Sínodo não pode não ter em conta os avanços da ciência com incidência neste domínio: por exemplo, o início da pessoa humana, as técnicas de reprodução assistida, o controlo da natalidade com métodos anticonceptivos proibidos pela Humanae Vitae. Espera-se uma palavra de abertura para que os casais divorciados e recasados possam aceder à comunhão. A formação terá de ser para a liberdade na responsabilidade, sem esquecer "o primado da consciência" que "deve guiar as decisões dos cristãos e cristãs adultos, muito especialmente na sua vida íntima e familiar".»
Começa amanhã, no Vaticano, prolongando-se até ao próximo dia 19, a Assembleia extraordinária do Sínodo dos Bispos, dedicada às questões da família. São 253 os participantes, incluindo 114 presidentes de conferências episcopais de todo o mundo, 13 chefes de Igrejas Católicas Orientais, 25 presidentes dos dicastérios da Cúria Romana (uma espécie de ministérios do governo central da Igreja), cardeais, bispos e padres escolhidos pelo Papa, que também aprovou a escolha de 16 peritos e 38 ouvintes (observadores), entre os quais 14 casais. Não se prevê nenhum documento conclusivo final. De facto, novas directrizes pastorais no novo contexto da família só deverão aparecer quando o Sínodo se reunir de novo em Outubro de 2015.
Ninguém duvidará da importância do tema da família para as pessoas, para a educação, para a Igreja, para a sociedade. Consciente disso, o Papa Francisco fez, de modo inédito, anteceder o Sínodo de um inquérito a todos os católicos e católicas do mundo e não apenas aos bispos, como era hábito, incidindo sobre as várias questões relacionadas com esta temática, sem tabus: casamento à experiência, divorciados que voltam a casar-se, uniões de facto, casamento entre pessoas do mesmo sexo, relações pré-matrimoniais, métodos anticonceptivos... Das respostas conclui-se, como aqui mostrei em várias crónicas, enorme discrepância entre a doutrina oficial e a prática dos católicos.
O Sínodo tem, pois, uma gigantesca tarefa pela frente, mas muitos põem, com razão, reservas às suas possibilidades, apresentando, por exemplo, o facto de a esmagadora maioria dos participantes serem celibatários (bispos e padres), sem experiência real de vida familiar, e, por outro lado, o de não se constatar verdadeiro pluralismo nos peritos escolhidos.
Evidentemente, como acaba de declarar o cardeal G. Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, não se pode pretender "um cristianismo a preço de saldo, sem exigências na conversão". Mas, por outro lado, como reflecte, por exemplo, o movimento "Redes Cristianas", o Sínodo não pode ignorar, quando se considera o modelo tradicional de família cristã, realidades familiares novas, sendo, portanto, "necessária uma revisão profunda da doutrina, na qual participem representantes da pluralidade de opções existentes na Igreja". Aliás, será preciso ter em conta as diferenças culturais nos vários continentes. "Que dirá o Sínodo às pessoas homossexuais, aos casais que convivem sem se casar ou a quem, depois do divórcio, volta a casar-se pelo civil?"
O Sínodo não pode não ter em conta os avanços da ciência com incidência neste domínio: por exemplo, o início da pessoa humana, as técnicas de reprodução assistida, o controlo da natalidade com métodos anticonceptivos proibidos pela Humanae Vitae. Espera-se uma palavra de abertura para que os casais divorciados e recasados possam aceder à comunhão. A formação terá de ser para a liberdade na responsabilidade, sem esquecer "o primado da consciência" que "deve guiar as decisões dos cristãos e cristãs adultos, muito especialmente na sua vida íntima e familiar". Espera-se uma palavra forte "a favor da igualdade da mulher e contra a violência de género". Decisiva será também a denúncia da situação socioeconómica mundial que leva à pobreza, à falta de trabalho para os jovens, à precariedade da vida familiar e até à extrema dificuldade em constituir um projecto de família.