sábado, 21 de junho de 2014

O CELIBATO NÃO É DOGMA

Crónica de Anselmo Borges

«É contraditório afirmar que o celibato é um carisma e, depois, impô-lo como lei. Como lei, é contra o Evangelho e pode ser contra a natureza humana. O celibato obrigatório não vem de Jesus, é uma lei dos homens, e, como disseram os apóstolos, "importa mais obedecer a Deus do que aos homens". E os bispos e os papas são apenas homens. Não se pode impor como lei o que Jesus entregou à liberdade.»


Numa entrevista recente, o Papa Francisco disse que a lei do celibato dos padres não é nenhum dogma; por isso, a porta está sempre aberta ao debate e a lei pode ser revista.
Isso foi considerado tão revolucionário pelos media mundiais que eles se centraram nessa declaração, esquecendo outras, mais importantes. Ora, Francisco apenas disse o óbvio, repetindo aliás o que, há muito, vem sendo repetido por figuras eminentes, como o cardeal C. Martini, o cardeal P. Parolin, primeiro-ministro do Vaticano, e muitos bispos em todo o mundo. Mais significativa foi a revelação feita pelo cardeal F. König, de Viena, em 1985, de que o Papa Paulo VI estava na disposição de abolir a lei do celibato, se no Sínodo sobre o sacerdócio, em 1971, a maioria dos bispos se tivesse pronunciado nesse sentido: "De facto, o Papa pediu à assembleia um voto deliberativo a propósito, ao qual ele se teria vinculado. Se a maioria da assembleia se tivesse pronunciado pela sua abolição, Paulo VI teria agido em consequência, abolindo o celibato obrigatório dos padres, introduzindo a possibilidade do casamento."

Jesus foi celibatário como também São Paulo, mas eles não exigiram o celibato a ninguém. Há a certeza de que alguns apóstolos eram casados, incluindo São Pedro. Na Primeira Carta a Timóteo, lê-se: "O bispo deve ser homem de uma só mulher." No primeiro milénio do cristianismo, houve papas casados normalmente.
Foi lentamente e com imensas dificuldades que a lei do celibato se foi impondo na Igreja Católica, e com excepções: nas Igrejas orientais unidas a Roma manteve-se a liberdade e, quando pastores protestantes entram na Igreja Católica, continuam com a sua mulher e os seus filhos.

As razões para impor o celibato obrigatório foram múltiplas: imitar os monges e o seu voto de castidade, não dispersar os bens eclesiásticos, evitar o nepotismo, a desconfiança em relação ao corpo, ao sexo e ao prazer, manter os padres e os bispos mais disponíveis para o ministério. Determinante foi a reinterpretação da Eucaristia, que era um banquete em memória da Última Ceia e dos banquetes de Jesus enquanto experiência da presença do Reino de Deus, como sacrifício. Esta concepção sacrificial pôs duas questões cruciais e desastrosas: por um lado, é contraditória com a revelação de que Deus é Amor incondicional, Pai querido, Mãe querida, que não precisa de sacrifícios, mas de misericórdia, e, por outro, impôs o sacerdote, embora a palavra hiereus (sacerdote), no Novo Testamento, tenha sido evitada, e a consequente pureza ritual, com o celibato. As mulheres, evidentemente, dada a impureza ritual, ficavam definitivamente excluídas.

Neste movimento, a Igreja tornou-se cada vez mais rigorosa, tendo papel decisivo o Papa Gregório VII (1073-1085), com a sua famosa reforma gregoriana, de que fazem parte o centralismo romano e o celibatismo. Foi o II Concílio de Latrão (1139) que decretou a lei jurídica do celibato, com invalidade do casamento dos padres e proibindo os fiéis de frequentarem missas celebradas por padres com mulher.

No entanto, a distância entre a lei e o seu cumprimento obrigou a constantes admoestações e penas para os prevaricadores. Lutero levantou-se contra a lei, respondendo o Concílio de Trento: "É anátema quem afirmar que os membros do clero, investidos em ordens sacras, poderão contrair matrimónio." Aí, Frei Bartolomeu dos Mártires pediu compreensão ao menos para os de Barroso. Os escândalos sucederam-se, mesmo entre papas: Pio IV, por exemplo, que reforçou a lei, teve três filhos; no Concílio de Constança, como lembrou o famoso exegeta H. Haag, centenas de prostitutas estiveram à disposição dos participantes.

É contraditório afirmar que o celibato é um carisma e, depois, impô-lo como lei. Como lei, é contra o Evangelho e pode ser contra a natureza humana. O celibato obrigatório não vem de Jesus, é uma lei dos homens, e, como disseram os apóstolos, "importa mais obedecer a Deus do que aos homens". E os bispos e os papas são apenas homens. Não se pode impor como lei o que Jesus entregou à liberdade.

Etiquetas

A Alegria do Amor A. M. Pires Cabral Abbé Pierre Abel Resende Abraham Lincoln Abu Dhabi Acácio Catarino Adelino Aires Adérito Tomé Adília Lopes Adolfo Roque Adolfo Suárez Adriano Miranda Adriano Moreira Afonso Henrique Afonso Lopes Vieira Afonso Reis Cabral Afonso Rocha Agostinho da Silva Agustina Bessa-Luís Aida Martins Aida Viegas Aires do Nascimento Alan McFadyen Albert Camus Albert Einstein Albert Schweitzer Alberto Caeiro Alberto Martins Alberto Souto Albufeira Alçada Baptista Alcobaça Alda Casqueira Aldeia da Luz Aldeia Global Alentejo Alexander Bell Alexander Von Humboldt Alexandra Lucas Coelho Alexandre Cruz Alexandre Dumas Alexandre Herculano Alexandre Mello Alexandre Nascimento Alexandre O'Neill Alexandre O’Neill Alexandrina Cordeiro Alfred de Vigny Alfredo Ferreira da Silva Algarve Almada Negreiros Almeida Garrett Álvaro de Campos Álvaro Garrido Álvaro Guimarães Álvaro Teixeira Lopes Alves Barbosa Alves Redol Amadeu de Sousa Amadeu Souza Cardoso Amália Rodrigues Amarante Amaro Neves Amazónia Amélia Fernandes América Latina Amorosa Oliveira Ana Arneira Ana Dulce Ana Luísa Amaral Ana Maria Lopes Ana Paula Vitorino Ana Rita Ribau Ana Sullivan Ana Vicente Ana Vidovic Anabela Capucho André Vieira Andrea Riccardi Andrea Wulf Andreia Hall Andrés Torres Queiruga Ângelo Ribau Ângelo Valente Angola Angra de Heroísmo Angra do Heroísmo Aníbal Sarabando Bola Anselmo Borges Antero de Quental Anthony Bourdin Antoni Gaudí Antónia Rodrigues António Francisco António Marcelino António Moiteiro António Alçada Baptista António Aleixo António Amador António Araújo António Arnaut António Arroio António Augusto Afonso António Barreto António Campos Graça António Capão António Carneiro António Christo António Cirino António Colaço António Conceição António Correia d’Oliveira António Correia de Oliveira António Costa António Couto António Damásio António Feijó António Feio António Fernandes António Ferreira Gomes António Francisco António Francisco dos Santos António Franco Alexandre António Gandarinho António Gedeão António Guerreiro António Guterres António José Seguro António Lau António Lobo Antunes António Manuel Couto Viana António Marcelino António Marques da Silva António Marto António Marujo António Mega Ferreira António Moiteiro António Morais António Neves António Nobre António Pascoal António Pinho António Ramos Rosa António Rego António Rodrigues António Santos Antonio Tabucchi António Vieira António Vítor Carvalho António Vitorino Aquilino Ribeiro Arada Ares da Gafanha Ares da Primavera Ares de Festa Ares de Inverno Ares de Moçambique Ares de Outono Ares de Primavera Ares de verão ARES DO INVERNO ARES DO OUTONO Ares do Verão Arestal Arganil Argentina Argus Ariel Álvarez Aristides Sousa Mendes Aristóteles Armando Cravo Armando Ferraz Armando França Armando Grilo Armando Lourenço Martins Armando Regala Armando Tavares da Silva Arménio Pires Dias Arminda Ribau Arrais Ançã Artur Agostinho Artur Ferreira Sardo Artur Portela Ary dos Santos Ascêncio de Freitas Augusto Gil Augusto Lopes Augusto Santos Silva Augusto Semedo Austen Ivereigh Av. José Estêvão Avanca Aveiro B.B. King Babe Babel Baltasar Casqueira Bárbara Cartagena Bárbara Reis Barra Barra de Aveiro Barra de Mira Bartolomeu dos Mártires Basílio de Oliveira Beatriz Martins Beatriz R. Antunes Beijamim Mónica Beira-Mar Belinha Belmiro de Azevedo Belmiro Fernandes Pereira Belmonte Benjamin Franklin Bento Domingues Bento XVI Bernardo Domingues Bernardo Santareno Bertrand Bertrand Russell Bestida Betânia Betty Friedan Bin Laden Bismarck Boassas Boavista Boca da Barra Bocaccio Bocage Braga da Cruz Bragança-Miranda Bratislava Bruce Springsteen Bruto da Costa Bunheiro Bussaco Butão Cabral do Nascimento Camilo Castelo Branco Cândido Teles Cardeal Cardijn Cardoso Ferreira Carla Hilário de Almeida Quevedo Carlos Alberto Pereira Carlos Anastácio Carlos Azevedo Carlos Borrego Carlos Candal Carlos Coelho Carlos Daniel Carlos Drummond de Andrade Carlos Duarte Carlos Fiolhais Carlos Isabel Carlos João Correia Carlos Matos Carlos Mester Carlos Nascimento Carlos Nunes Carlos Paião Carlos Pinto Coelho Carlos Rocha Carlos Roeder Carlos Sarabando Bola Carlos Teixeira Carmelitas Carmelo de Aveiro Carreira da Neves Casimiro Madaíl Castelo da Gafanha Castelo de Pombal Castro de Carvalhelhos Catalunha Catitinha Cavaco Silva Caves Aliança Cecília Sacramento Celso Santos César Fernandes Cesário Verde Chaimite Charles de Gaulle Charles Dickens Charlie Hebdo Charlot Chave Chaves Claudete Albino Cláudia Ribau Conceição Serrão Confraria do Bacalhau Confraria dos Ovos Moles Confraria Gastronómica do Bacalhau Confúcio Congar Conímbriga Coreia do Norte Coreia do Sul Corvo Costa Nova Couto Esteves Cristianísmo Cristiano Ronaldo Cristina Lopes Cristo Cristo Negro Cristo Rei Cristo Ressuscitado D. Afonso Henriques D. António Couto D. António Francisco D. António Francisco dos Santos D. António Marcelino D. António Moiteiro D. Carlos Azevedo D. Carlos I D. Dinis D. Duarte D. Eurico Dias Nogueira D. Hélder Câmara D. João Evangelista D. José Policarpo D. Júlio Tavares Rebimbas D. Manuel Clemente D. Manuel de Almeida Trindade D. Manuel II D. Nuno D. Trump D.Nuno Álvares Pereira Dalai Lama Dalila Balekjian Daniel Faria Daniel Gonçalves Daniel Jonas Daniel Ortega Daniel Rodrigues Daniel Ruivo Daniel Serrão Daniela Leitão Darwin David Lopes Ramos David Marçal David Mourão-Ferreira David Quammen Del Bosque Delacroix Delmar Conde Demóstenes

Arquivo do blogue

Arquivo do blogue