Por Georgino Rocha
A desolação dos discípulos contrasta fortemente com a coragem de Jesus ressuscitado. Eles, amedrontados, estão refugiados em casa trancada, a temerem o que lhes podia acontecer na sequência da condenação do seu Mestre. Este, destemido, apresenta-se no meio deles, sereno e ousado, e saúda-os amigavelmente desejando-lhes a paz. O contraste não pode ser mais radical e provocador. A atitude de Jesus surpreende-os completamente e deixa-os expectantes. Eles ainda não o haviam reconhecido. Que carga de medo inibidor! Que urgência da “purificação” do coração e da mente para iniciar o caminho da fé no ressuscitado! Que importância atribuída à jovem comunidade reunida em assembleia neste “arranque” decisivo!
Jesus toma a iniciativa e coloca-se no meio deles. Ele é o centro para onde todos convergem e donde cada um parte em missão para ir ao encontro das pessoas e anunciar-lhes o amor com que Deus as ama e o apelo que lhes faz para viverem como irmãos em comunidade. Que belo “desenho” da Igreja germinal que servirá sempre de referência para atestar a autenticidade das nossas atitudes e a beleza da nossa comunhão.
João, o narrador do acontecido – adianta que foi no 1º dia da semana que é o domingo. Esta referência tem enorme importância histórica e cultural, pois testemunha as raízes pascais do Dia do Senhor, da assembleia cristã que faz a sua celebração comunitária, da certeza de que “Ele está no meio de nós”. Como os cristãos de Cartago somos convidados a afirmar: Sem domingo, não podemos viver! Que arrojo de fé em contraste com a onda crescente de insensibilidade espiritual face à riqueza do domingo e da tendência para a sua substituição por outras ocupações e entretens. É tarefa urgente da nova evangelização anunciar e repor as prioridades na escala de valores que humanizam a sociedade e elevam a realização integral da dignidade humana.
A acção de Jesus no encontro com os discípulos prossegue de modo exemplar para quem se inicia na fé pascal: acolher a paz, aceitar o envio, receber o Espírito, perdoar e ser perdoado, reconhecer e venerar nas chagas do mundo as cicatrizes das feridas do Crucificado/Ressuscitado, abrir-se à fé de adoração e ser coerente em atitudes práticas. Que belo e estimulante caminho!
Que reforço dá ao nosso espírito inquieto, sempre em busca, a afirmação de Jesus: “Felizes os que acreditam sem terem visto”. É a felicidade de quem encontra e sabe passar “dos olhos ao coração”, do visível ao Invisível, do aparente ao Real, das chagas dos crucificados na terra à vida nova do Ressuscitado presente em tantos gestos de amor e de serviço humilde. De facto, Ele fica e vive connosco. Ele sonha uma humanidade renovada e envia-nos em missão.