sábado, 26 de abril de 2014

40 ANOS DEPOIS

Por Anselmo Borges,


1- No dia 25 de Abril de 1974, o telefone tocou, estava eu ainda a dormir: "O que tu querias está a acontecer." Uma jovem amiga a dizer-me que estava na rua um golpe de Estado. Como quase toda a gente, fiquei preso às notícias, escassas.
Depois, é o que se sabe. O povo veio para a rua. A alegria explodiu. Os acontecimentos sucediam-se em vertigem. Não se dormia. Será que alguma vez se viveu tão apressada e intensamente como durante aqueles anos de revolução? É mesmo: o tempo não é todo igual. Aqueles foram tempos sobre os quais F. Alberoni teorizou, com o seu conceito de "estado nascente".
O problema foi passar do "estado nascente" à "institucionalização" da democracia, pois não se pode ficar eternamente no entusiasmo eufórico do novo nascimento. Aí, havia imensos interesses contraditórios, e então viveram-se várias revoluções ao mesmo tempo, para recuperar o tempo perdido em ditadura e atraso: uma revolução burguesa, uma revolução soviética, Maio de 68, a descolonização. Esteve-se à beira de uma nova ditadura.


2- 40 anos depois, só por cegueira ou cinismo se não reconhecerá que Portugal está incomparavelmente melhor. Reconquistámos a liberdade, e a liberdade é o que define o ser humano: onde houver homem, tem de haver liberdade, a liberdade é a imagem de Deus no homem. Vivemos em democracia. Houve progresso material. Erradicou-se o analfabetismo e multiplicou-se o acesso ao ensino superior. O desenvolvimento social é inegável: salário mínimo, pensão mínima, Serviço Nacional de Saúde. Mais consciência de cidadania.

3- Mas os portugueses andam descontentes: 83% manifestam-se insatisfeitos ou pouco satisfeitos com o presente estado da democracia. De facto, muita coisa correu mal. Será que temos dificuldade em governarmo-nos a nós próprios? Como é que se explica, por exemplo, que nestes 40 anos tenha havido três intervenções do FMI e tenhamos estado à beira da bancarrota? Fomos incapazes de dar o salto para um país moderno e estável. Tivemos de regressar à emigração, e, desta vez, são médicos, enfermeiros, engenheiros, arquitectos... e jovens... Está aí um tsunami demográfico. Cava-se cada vez mais fundo o abismo entre os muito ricos e os pobres. Apesar de vários sinais felizmente positivos, a austeridade é para continuar. A Justiça arrasta-se, não é célere e dá a impressão de ser selectiva, a favor dos ricos. O mais triste: a desconfiança e a inesperança da maior parte dos portugueses.

4- O que aconteceu? Imensa incompetência dos políticos, passeando depois uma inocência que não têm - em Portugal, ninguém é responsável por nada. Partidos e suas cumplicidades com interesses corporativos - Filomena Martins foi certeira: "São cada vez menos as figuras de destaque disponíveis para se dedicarem à causa pública por dever de cidadania. E isso tem levado à degradação da qualidade política e ao seu descrédito. Porque não se ganha muito dinheiro na política. Ganha-se depois dela. Com o poder e as relações que se conquistaram." Multiplicação acéfala de instituições de ensino superior. Esbanjamento irresponsável de dinheiros públicos: pense-se no número de estádios de futebol, nos quilómetros desnecessários de auto-estradas. Privilégios e corrupção, fuga ao fisco. A Banca a fazer "engolir" cartões de crédito e o consumismo insensato. Aquela mentalidade de encosto ao Estado, de subsídio-dependência, de que só há direitos e não há deveres.

5- E agora? É preciso parar para pensar e reflectir sobre o essencial. Precisamos de mais e melhor democracia. Temos de assumir todos mais responsabilidade na coisa pública. Precisamos de um consenso mínimo entre os partidos sobre temas fundamentais, como a reforma do Estado, a justiça social, o investimento reprodutivo para criar riqueza e emprego. Precisamos de insubordinação frente à plutocracia e de assegurar a dignidade de todos. Precisamos de erguer o futuro pela educação. Se, por insanidade do poder político, os sacrifícios entretanto feitos forem deitados a perder, é preciso preparar-se para o pior.

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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