quarta-feira, 26 de março de 2014

A VISITA

Uma crónica de Maria Donzília Almeida

Maria Donzília Almeida


Estava eu grudada ao PC, num trabalho de alta concentração em dedicação exclusiva, a burilar um longo texto, quando fui interrompida pelo som estridente da campainha. Quem tocava, revelava nervosismo pois insistia de forma incessante, dando a sensação de estar em aflição.
Dirigi-me, à porta e inquiri a razão daquela brusca interrupção.
— Há um patinho à sua porta... parece ter-se escapado de junto das galinhas!
Foi com estupefação que apurei o sucedido, avistando a espécie rara de palmípede, postado ali mesmo, na entrada da pérgola! Era um patinho vistoso, com uma plumagem colorida e que me cativou! Eu que outrora havia adquirido, no comércio local, patinhos bebés para me povoarem o bosque, mas que se evadiram pela rede, tinha agora, ali a minha compensação. Caíra, literalmente, do céu, ali mesmo, junto à casa e estava com vergonha de entrar!
Abençoada por aquela inesperada aparição, sem pretender apropriar-me do que não me pertencia, franqueei-lhe a porta, antevendo uns momentos de pura contemplação estética, de um lindo patinho, no meio das galinhas castanhas e pretas. Já me deliciava, por antecipação e pedi ao senhor que me batera à porta, o favor de me ajudar a conduzir o patinho para o quintal.
A ideia de juntar à Deolinda, Dori(n)da, (já recuperada!) Dores, etc, etc… um sedutor Donald Duck... borbulhava na minha mente!






Fui-me aproximando lentamente e, com o portão já aberto, tencionava orientá-lo para o espaço amplo das galinhas. Quando o patinho sentiu próximo a presença humana, pondo em risco a sua integridade física, levanta em voo rasante e gradualmente vai subindo nos ares até desaparecer no horizonte. Experimentei sentimentos opostos de contentamento e deceção: pelo regresso ao seu habitat natural, ali na marina/mota e a impossibilidade de prolongar aquela contemplação junto das suas parentes próximas.
Ah! Mas foi uma sensação de alegria observar como aquela criaturinha está tão bem adaptada a diferentes tipos de locomoção: em terra, na água e no ar! À luz dos meus critérios de avaliação de desempenho, considerá-la-ia uma espécie sobredotada!
Aqui, foi vê-lo erguer-se no ar, leve como uma pena e recolher de imediato o trem de aterragem, colocando as patinhas ao longo do corpo, sulcando os ares como um avião. É mais felizardo do que eu, pois adquiriu competências para três modalidades de deslocação, enquanto eu só me movimento, pelos meus próprios meios, em terra firme!
De tanto ter desfrutado desta inesperada visita, no domingo seguinte fui apreciar esse e outros patinhos selvagens ou patos-reais, no seu meio aquático que é a nossa tranquila e pacificadora ria. Lá andavam eles a nadar como se estivessem num programa de alta competição. Até nas cordas que bóiam, na ria, atreladas aos barquitos que por lá descansam, eles faziam a proeza de passar por cima, revelando uma destreza aquática admirável. Aqui, os seus remos são as patinhas com a sua membrana interdigital que agilmente os fazem deslocar num movimento rápido e bem sincronizado. Foi um espetáculo de grande beleza nesta manhã soalheira de domingo.
Tão grandes foram o entusiasmo e o prazer revelados na contemplação destas aves, que granjeei a promessa de vir a ser contemplada com uns patinhos bebés que hão-de nascer nas pedras, sobranceiras à marina,  escapando assim, à voracidade das gaivotas —  como referiu o guarda da ANGE (Associação Náutica da Gafanha da Encarnação).

25.03.2014

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