Uma crónica de Maria Donzília Almeida
Maria Donzília Almeida |
Estava eu grudada ao PC, num trabalho de alta concentração em dedicação exclusiva, a burilar um longo texto, quando fui interrompida pelo som estridente da campainha. Quem tocava, revelava nervosismo pois insistia de forma incessante, dando a sensação de estar em aflição.
Dirigi-me, à porta e inquiri a razão
daquela brusca interrupção.
— Há um patinho à sua porta... parece
ter-se escapado de junto das galinhas!
Foi com estupefação que apurei o sucedido,
avistando a espécie rara de palmípede, postado ali mesmo, na entrada da pérgola!
Era um patinho vistoso, com uma plumagem colorida e que me cativou! Eu que
outrora havia adquirido, no comércio local, patinhos bebés para me povoarem o
bosque, mas que se evadiram pela rede, tinha agora, ali a minha compensação.
Caíra, literalmente, do céu, ali mesmo, junto à casa e estava com vergonha de
entrar!
Abençoada por aquela inesperada aparição,
sem pretender apropriar-me do que não me pertencia, franqueei-lhe a porta,
antevendo uns momentos de pura contemplação estética, de um lindo patinho, no
meio das galinhas castanhas e pretas. Já me deliciava, por antecipação e pedi
ao senhor que me batera à porta, o favor de me ajudar a conduzir o patinho para
o quintal.
A ideia de juntar à Deolinda, Dori(n)da, (já recuperada!) Dores, etc, etc… um sedutor Donald
Duck... borbulhava na minha mente!
Fui-me aproximando lentamente e, com o
portão já aberto, tencionava orientá-lo para o espaço amplo das galinhas. Quando
o patinho sentiu próximo a presença humana, pondo em risco a sua integridade
física, levanta em voo rasante e gradualmente vai subindo nos ares até
desaparecer no horizonte. Experimentei sentimentos opostos de contentamento e
deceção: pelo regresso ao seu habitat natural, ali na marina/mota e a impossibilidade
de prolongar aquela contemplação junto das suas parentes próximas.
Ah! Mas foi uma sensação de alegria
observar como aquela criaturinha está tão bem adaptada a diferentes tipos de
locomoção: em terra, na água e no ar! À luz dos meus critérios de avaliação de
desempenho, considerá-la-ia uma espécie sobredotada!
Aqui, foi vê-lo erguer-se no ar, leve como
uma pena e recolher de imediato o trem de aterragem, colocando as patinhas ao
longo do corpo, sulcando os ares como um avião. É mais felizardo do que eu,
pois adquiriu competências para três modalidades de deslocação, enquanto eu só
me movimento, pelos meus próprios meios, em terra firme!
De tanto ter desfrutado desta inesperada
visita, no domingo seguinte fui apreciar esse e outros patinhos selvagens ou
patos-reais, no seu meio aquático que
é a nossa tranquila e pacificadora ria. Lá andavam eles a nadar como se
estivessem num programa de alta competição. Até nas cordas que bóiam, na ria,
atreladas aos barquitos que por lá descansam, eles faziam a proeza de passar por
cima, revelando uma destreza aquática admirável. Aqui, os seus remos são as
patinhas com a sua membrana interdigital que agilmente os fazem deslocar num
movimento rápido e bem sincronizado. Foi um espetáculo de grande beleza nesta
manhã soalheira de domingo.
Tão grandes foram o entusiasmo e o prazer revelados
na contemplação destas aves, que granjeei a promessa de vir a ser contemplada
com uns patinhos bebés que hão-de nascer nas pedras, sobranceiras à marina, escapando assim, à voracidade das gaivotas — como referiu o guarda da ANGE (Associação
Náutica da Gafanha da Encarnação).
25.03.2014