terça-feira, 22 de outubro de 2013

O Marnoto Gafanhão — 13

 Um texto inédito de Ângelo Ribau Teixeira


Outras leituras


Outro caso que nunca me pareceu bem explicado foi o facto de José (marido, companheiro?) de Maria. Continuando as minhas leituras não encontrei resposta para esta pergunta que me fazia! Um dia ao ler a história de uma mulher que foi apedrejada por ter engravidado sendo solteira (isto no tempo de Jesus, o que ainda agora se verifica para aquelas bandas) levou-me a pensar que José terá sido um simples companheiro de Maria, para lhe evitar dissabores e ajudar no sustento da casa já que nem todos os judeus acreditavam na história do Espírito Santo.
Fiquei-me com estas minhas explicações, meditando se haveria outras mais plausíveis. Se as houvesse, viria a descobri-las. E a leitura da bíblia continuou. Eu não poderia perder tempo se quisesse acabar a sua leitura.
Entretanto mudei de assunto  quero dizer, de leitura  para outra que não fosse tão maçuda. Eram só desgraças e pecados.




Fui à estante e escolhi um livro de Júlio Verne, autor que escrevia sobre o futuro. Peguei em “Cinco Semanas em Balão” e eis-me a voar pelos ares, conforme narração do autor! Era uma leitura agradável como, normalmente, todas as de sua autoria. Dois dias depois (e parte de duas noites, que de noite também se lê!) tinha eu passado cinco semanas num balão, juntamente com a imaginação extraordinária do escritor. Era leitura fácil, parecia-me intuitiva e portanto era aceite pala minha imaginação, e terminou rapidamente.

Mais uma ida à marinha apanhar uma bateira de estrume, que o tempo tinha melhorado e era necessário aproveitar o bom tempo, e os dias iam passando…
 Até que um dia ao chegar a casa, a mãe do Toino lhe disse:
—  Hoje o correio trouxe uma carta para ti.
—  Uma carta? Onde está ela?
—  Em cima da mesa da casa do forno…
Curiosamente, dirigi-me ao local indicado e peguei na carta, mirando-a.
—  Oh!
—  Que é? —  pergunta-lhe a mãe.
—  É com certeza a resposta ao meu pedido de informação, sobre a minha ida para Angola.
—  Vê lá menino onde te andas a meter…  — responde a mãe apreensiva!
Abri a carta rapidamente e li-a. Ao terminar a leitura senti um certo desconforto, que minha mãe notou.
—  Que foi…?
—  Afinal, é tudo a mesma coisa. Para ir para Angola também é preciso carta de chamada, como para a Venezuela. Mas Angola é uma Província Ultramarina como me ensinaram na escola ou é um país estrangeiro como a Venezuela? —  desabafa o Toino, desanimado…
— Graças a Deus!
Ouço minha mãe dizer por entre dentes, ao mesmo tempo que se afastava do local!
As mães são mesmo assim. É preciso é ter os filhos junto às suas saias, embora isso possa prejudica-los, como era o caso. Mas eu não posso continuar com esta vida. Tenho de a resolver!

Ouvi dizer a uns colegas que a Escola Industrial e Comercial de Aveiro iria começar a ministrar cursos noturnos para trabalhadores e resolvi inscrever-me no curso comercial. Assim fiz, e na devida data fui inscrever-me. Ficava na altura a Escola instalada no antigo Liceu José Estêvão, junto ao Tribunal, hoje Câmara Municipal. Era quase à entrada da cidade para quem vem da Gafanha, o que nos convinha, pois não era necessário atravessa-la.
No primeiro dia de aulas, reparei que havia muitos alunos inscritos, especialmente no curso industrial. Eram trabalhadores das oficinas instaladas na Gafanha, normalmente nas das empresas da pesca de bacalhau especialmente na Empresa de Pesca de Aveiro que, tendo muitos navios arrastões, ocupava muito pessoal próprio nas reparações desses navios - serralheiros mecânicos e civis, carpinteiros e outras especialidades. Alguns desses alunos, inscritos na JOC (Juventude Operária Católica) mais tarde vieram a inscrever-se em concursos internacionais das suas especialidades, onde obtiveram excelentes classificações!
Começámos a conhecer-nos mutuamente. Éramos cerca de uma dúzia, matriculados no Comercio e na Industria. Havia horários diferentes, pelo que não nos juntávamos todos os dias. O único meio de transporte era a bicicleta, que cada qual utilizava individualmente. Éramos gente nova, cheia de vigor e enquanto fazíamos o caminho íamos conversando e brincando, tornando aquelas viagens agradáveis. Mais tarde, quando chegasse o inverno, outro galo cantaria… As chuvas, os ventos por vezes ciclónicos, iriam por à prova a nossa resistência às intempéries e ao estudo. É que não havia outro meio de transporte...
Houve até um colega que, dadas as nossas brincadeiras por vezes serem autênticas corridas de bicicleta, se lembrou de apelidar a malta de “Os Águias de Alpiarça”, pois à data existia um clube de ciclismo com esse nome!

Naquele dia de Novembro a tarde aproximava-se do fim. O céu estava limpo, as estrelas brilhavam. Mas o vento nordeste rugia e a mãe do Toino aconselhou-o a faltar às aulas, depois de uma rajada de vento mais forte ter feito entrar pela porta da casa do forno um resto de folhas de árvore que ainda se encontravam amontoadas no aido!
—  Menino! (para as mães os filhos são sempre meninos) Se fosse a ti, hoje faltava às aulas. O tempo está mau. Está muito vento…
— Não faz mal, mãe! É só vento frio. Se fosse chuva era pior… Responde o Toino.

Pegou na bicicleta e na pasta dos livros, e aí vai ele em direção a Aveiro. Mal chegou à casa da “Ti Sarda” e rumando para a rua principal aí vem o vento forte, de frente, obrigando-o por vezes a pedalar de pé em cima dos pedais. Mas o caminho foi vencido, embora tivesse chegado à primeira aula mesmo na hora de entrada. No intervalo da primeira aula, notei que afinal ninguém tinha faltado às aulas, muito embora o tempo estivesse muito frio e ventoso. A segunda aula foi de História Universal, disciplina que eu não apreciava muito. Mas o professor, homem sabedor do assunto e com extraordinária dicção, ia dando a aula como se conversasse com os alunos, contando uma história, despertando o nosso interesse sem darmos por isso… E foi assim que eu comecei a gostar da História, especialmente da antiga e que se referia ao Médio Oriente.
Terminadas as aulas, verifiquei que os meus colegas da Industria (como lhe chamávamos) tinham tido feriado na última aula, por falta do professor. Como era o único aluno do Comércio, nessa noite não teria colegas no regresso à Gafanha. Teria de seguir sozinho! Com aquela ventania toda pelas costas, seria uma viagem rápida. Tentei bater o meu próprio recorde de chegar à ponte da Gafanha sem por as mãos no guiador da bicicleta. Já o tinha tentado várias vezes mas a curva das Pirâmides (a noventa graus com inclinação acentuada) não mo tinha permitido… Iniciado o regresso, logo a seguir à ponte, à saída de Aveiro, meti as mãos nos bolsos, e aí vou eu… A velocidade era grande, tive de regular o farol da bicicleta para que as duas lâmpadas ficassem acesas, pois dada a velocidade, só uma acesa provavelmente iria fundir-se! Agora aproximava-se a curva da Pirâmides. Não poderia diminuir a velocidade e tinha dar a inclinação necessária ao corpo e à bicicleta para não me despistar. Olho para a frente e para a esquerda, não vem nenhuma viatura em sentido contrária. Entro pelo lado esquerdo da curva e saio pelo direito diminuindo assim o ângulo de curva… Desta vez passei!
Tomo o rumo da Gafanha, agora com mais velocidade com o vento mesmo pelas costas. Até à ponte levaria meia dúzia de minutos. Assim foi. Chegado aí tive de ter mais cuidado. A entrada na ponte fazia-se com uma curva também apertada e se falhasse só pararia na água… Havia que abrandar a velocidade, e as mãos que até aí tinham vindo nos bolsos, saíram e seguraram bem no guiador da bicicleta, não fosse o diabo tecê-las! Cheguei à ponte. O “meu” recorde estava batido! Atravessei a ponte, entrei na Gafanha, e agora eram mais dois quilómetros e estava em casa.

Ceei, preparei as lições para o dia seguinte, e fui-me deitar.

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