Perguntar: "Deus ainda tem futuro?" não é contraditório? (Para os crentes terá até sabor a blasfémia). De facto, se Deus não existir, a pergunta não tem sentido. Mas também não tem sentido se Deus existir, pois faz parte do conceito de Deus ser Presença eternamente presente. A pergunta supõe, pois, um acrescento implícito: Deus ainda tem futuro na e para a Humanidade?
Com razão, perguntava Karl Rahner, talvez o maior teólogo católico do século XX: O que aconteceria, se a simples palavra "Deus" deixasse de existir? E respondia: "A morte absoluta da palavra "Deus", uma morte que eliminasse até o seu passado, seria o sinal, já não ouvido por ninguém, de que o Homem morreu."
Václav Havel, o grande dramaturgo e político, pouco tempo antes de morrer, surpreendeu muitos ao declarar que "estamos a viver na primeira civilização global" e "também vivemos na primeira civilização ateia, numa civilização que perdeu a ligação com o infinito e a eternidade", temendo, também por isso, que "caminhe para a catástrofe".
Embora, no domínio religioso, as estatísticas exijam enormes precauções, são sempre uma indicação. Ora, há uma série de estudos que mostram o crescimento em todo o mundo do ateísmo e da descrença - ver Philosophie Magazine, Setembro de 2013. Constata-se um declínio da religiosidade entre 2005 e 2012: no mundo, 77% contra 68%, portanto menos 9%; na França, 58% contra 37%: menos 21%; na África do Sul, 83% contra 64%, nos Estados Unidos, 73% contra 60%; no Vietname, 53% contra 30%. Embora minoritário, o ateísmo cresce por toda a parte. Considerando a descrença, alguns números, a título de exemplo: no mundo, ateus convencidos: 13%; não religiosos: 23%; religiosos: 59%; na China, as percentagens são respectivamente: 47%, 30%, 14%; Japão: 31%, 31%, 16%; República Checa: 30%, 48%, 20%; Alemanha: 15%, 33%, 51%; Holanda: 14%, 42%, 43%; Irlanda: 10%, 44%, 47%. A crise da fé acentua-se particularmente entre os jovens. Outro dado significativo: a perda de crédito das crenças instituídas anda ligada à prosperidade material. Esta referência às crenças instituídas é importante, pois, como faz notar o filósofo Jean-Marc Ferry, o ateu actual é diferente do ateu clássico, pois já não se opõe frontalmente ao crente pela afirmação da inexistência de Deus: "Pode--se ser religioso prescindindo da existência de Deus e pode-se postular Deus como ideia necessária sem crer que Deus existe." Há dois tipos de relação com o mundo e duas atitudes existenciais: "O ateu não pretende saber que Deus não existe. Recusa antes viver sob a ideia de Deus. Dito de modo positivo: prefere viver sob a ideia da sua finitude temporal sem apelo", enquanto a fé leva à "resolução de confiar no real, no ser, na vida".
Há uma correlação íntima entre a concepção de Deus e a concepção do Homem. Com o eclipse de Deus é o sentido do mundo que desaparece e o próprio Homem perde orientação. George Minois conclui a sua História do Ateísmo: se, independentemente da sua resposta, positiva ou negativa, o Homem já não vir necessidade de colocar a questão de Deus, isso significa que, pela primeira vez na sua História, a Humanidade sucumbe ao imediatismo, a uma visão fragmentária do aqui e agora e "abdica da sua procura de sentido".
No contexto de uma crise global - crise financeira, económica, social, política, moral -, é preciso perguntar se a crise de Deus não ocupa lugar central.
Hoje e amanhã, no Seminário da Boa Nova, Valadares, Gaia, realiza-se um Colóquio Internacional, subordinado precisamente à pergunta: "Deus ainda tem futuro?" Nele, serão tratados por especialistas de renome internacional, crentes e não crentes - "a existência de Deus é um assunto demasiado sério para ser confiado exclusivamente aos crentes", escreveu o filósofo Paul Clavier -, problemas decisivos neste domínio: a situação religiosa do mundo actual, questões relacionadas com a genética, o animalismo, as neurociências, o transumanismo, o naturalismo, a ética, a mulher e o divino, Ocidente e Oriente, fé, ciência e razão, o Deus de Jesus.
Anselmo Borges
No DN de hoje
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