sábado, 28 de setembro de 2013

O que pensa Francisco: 7. sobre a morte

Anselmo Borges



Para o Papa Francisco, a morte não é tabu. "Quando somos novos, não olhamos tanto para o fim, valorizamos mais o momento. Mas lembro-me de dois versinhos que a minha avó me ensinou: "Olha que Deus te está a ver, olha que te está olhando; olha que hás-de morrer e que não sabes quando." Passados 70 anos, não consigo esquecê-los. Ela inculcava-me a consciência de que tudo acaba, de que devemos deixar tudo bem. No meu caso, penso todos os dias que vou morrer. Não me angustio por isso, porque o Senhor e a vida prepararam-me. Vi morrer os meus antepassados, e agora é a minha vez. Quando? Não sei."



Deus é o Deus da vida e não da morte. Bergoglio segue a leitura teológica tradicional: "O mal entrou no mundo através da astúcia do Demónio, que sentiu inveja, porque Deus fez o homem como o ser mais perfeito. Por isso o Demónio entrou no mundo. Na nossa fé, a morte é uma consequência da liberdade humana. Fomos nós, através dos nossos pecados, a optar pela morte, que entrou no mundo, porque criámos espaço para a desobediência ao plano de Deus. Entrou também o pecado, como soberba face aos planos do Senhor, e com ele a morte."

Não queremos morrer, temos medo e angústia. "A morte é um despojamento, por isso se vive com angústia. Estamos agarrados à vida e não queremos ir. Até o mais crente sente que o estão a despojar, que tem de abandonar parte da sua existência, da sua história. São sensações intransferíveis." O próprio Jesus sentiu angústia. "Disso ninguém se salva. Mas eu acredito que Deus nos agarra com a sua mão quando estamos prontos a dar o salto. Teremos de nos abandonar nas mãos do Senhor; sozinhos não conseguiríamos aguentar."

A vida é um caminho e é a esperança que estrutura o nosso caminho. Um dos perigos é "apaixonarmo-nos pelo caminho e perdermos de vista a meta"; o outro é "o quietismo: ficar a olhar para a meta e não fazer nada pelo caminho."

É preciso, pois, assumir o caminho e nele desenvolver a nossa criatividade, o nossos trabalho de transformação do mundo. Não estamos encerrados em nós: recebemos uma herança e temos de entregar uma herança, o que constitui "uma dimensão antropológica e religiosa extremamente séria, que fala de dignidade". A vida e a morte lutam corpo a corpo, no sentido biológico, mas sobretudo em relação à forma como se vive e morre. "Nos Evangelhos, aparece o tema do Juízo Final e de uma forma vinculada ao amor. Para os cristãos, o próximo é a pessoa de Cristo."

Então, a meta, que é a vida do Além, "gera-se aqui, na experiência do encontro com Deus, começa no assombro do encontro. Acreditamos que existe outra vida, porque começamos a senti-la aqui. Contudo, não por via de um sentimento suave, mas por um assombro através do qual Deus se nos manifesta." Os primeiros cristãos "associavam a imagem da morte à da esperança e usavam a âncora como símbolo".

A morte está sempre presente como possibilidade, mas tem um vínculo indissolúvel com a velhice. "A amargura do idoso é pior do que qualquer outra, porque não tem retorno." Por outro lado, se, antes, falávamos de opressores e oprimidos, incluídos e excluídos, hoje "temos de acrescentar outra antinomia: os que entram e os que estão a mais. Estamos a habituar-nos ao facto de que existem pessoas descartáveis, e, entre elas, os idosos têm um lugar muito importante". São muitos os que "abandonam quem lhes deu de comer, quem os educou, quem lhes limpou o traseiro. Dói-me, faz--me chorar por dentro. E nem vale a pena falar daquilo a que chamo eutanásia encoberta: o tratamento indevido dado aos idosos nos hospitais e nas instituições de assistência social, a quem não dão os medicamentos e a atenção de que necessitam."

Olhar para o idoso é ver o caminho de vida até mim. É preciso perceber que sou mais um elo, que "teremos de honrar aqueles que nos precederam e fazermo-nos honrar por aqueles que nos vão seguir, a quem teremos de transmitir a nossa herança." Referindo-se a si, com 74 anos, diz: "Estou a preparar-me e quereria ser vinho envelhecido, não vinho passado."

Anselmo Borges

(Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)

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