Escritos, conversas e reportagens à volta do Festival do Bacalhau, que decorreu entre 14 e 18 de agosto, no Jardim Oudinot, deram prioridade ao “fiel amigo” e a pratos das muitas maneiras de o confecionar, bem como aos petiscos dos chamados derivados, nomeadamente, bolinhos, pataniscas, feijoada de samos, línguas e carinhas fritas. Também se falou muito dos concertos que bateram recordes de assistências e de outras festas associadas. Pouco, a meu ver, dos artesãos que se apresentaram em bom número, cada um com as suas artes e ofícios, onde predominam, em diversos casos, o ineditismo e o espírito criativo.
Texto e fotos de Fernando Martins
Ambos começaram de forma espontânea e muito cedo. A Maria João sempre gostou de trabalhos artesanais e um dia, em férias, apeteceu-lhe fazer um colar. Foi à retrosaria e comprou o que julgou preciso. «Gostei tanto que repeti e resolvi mostrar… a partir daí, as coisas foram crescendo.» Do colar saltou para artes com tecido e corda. Posteriormente, entusiasmou-se pela cerâmica, tendo recebido formação na ACAV — Associação Arte e Cultura de Aveiro. «Mais a sério, dedico-me à bijutaria desde 2005», disse.
O Jorge iniciou esta atividade, que virou prazer, há 15 anos, por brincadeira, com a arte de marinharia, «para oferecer aos familiares e amigos, na expetativa de poupar dinheiro nas prendas de natal». E nunca mais parou. Dos nós passou ao restauro, às miniaturas e aos trabalhos com conchas, fixando-se, presentemente, entre outras artes, na “Amendoimlândia”
«Desde que tive contacto com o artesanato, fui-me apaixonando, e hoje não é só um sustento mas também um grande vício», sintetiza.
A Maria João, professora de Língua Portuguesa desde 1992, deixou o ensino, estando atualmente na situação de licença sem vencimento. «A minha profissão já há muito que não me preenchia e necessitava de algo que me fizesse feliz no meu dia a dia», explica. E fala com ênfase das suas preferências e experiências: «A cerâmica é, sem dúvida, a área que mais me apaixona por estar muito mais ligada à criação a partir do zero; é muito mais envolvente, já que, a partir da pasta, tudo se pode criar, e, como tudo o que vai ao forno, depois de abrir a porta da mufla, há sempre surpresas… a maior parte delas vai para além do nosso controle e isso ainda cria mais expetativas, para lá de tornar todas as peças únicas e inigualáveis. Tenho sempre a preocupação de inovar e de criar peças únicas.»
Por sua vez o Jorge Cardoso adianta: «O artesanato é uma área muito vasta... e eu tento fazer o que os outros não fazem; trabalho com massas modelantes, concha, miniaturas de todo o tipo e material; o trabalho em pedra também está incluído no meu portfólio; no entanto tento abranger a temática dos presépios e ícones da cultura regional.»
O Jorge diz que as suas paixões são, sem dúvida, «as miniaturas em amendoim e madeira e as flores em concha», pois ambas as temáticas o deixam completamente preenchido... E frisa: «Criar obras de arte com materiais tão fúteis, a que ninguém dá valor quando se encontram no chão, é motivo de grande prazer». No caso dos amendoins, que utiliza depois de tratados quimicamente para «matar a “bicharada”, salienta que «consegue dar vida a algo que jamais alguém poderia imaginar».
Não se julgue, porém, que os artesãos podem ficar em casa criando e apreciando as peças sonhadas e concretizadas. Importa torná-las conhecidas, mostrando-as em certames e divulgando-as pelo ciberespaço, que é uma montra da dimensão do mundo.
A Maria João tem as suas peças espalhados por algumas lojas do país (Aveiro, Ílhavo, Porto, Leiria, Lisboa, Viseu,…), mas ainda trabalha para uma cadeia de lojas, para as quais criou uma linha exclusiva de bijutaria. «As pessoas gostam das criações do Pássaro de Seda e, apesar do momento difícil que atravessamos, vão comprando, precisamente por não ser “mais do mesmo” e pela preocupação que tenho em diferenciar o meu trabalho daquilo que já existe», refere. E garante que, através da Net, o seu «trabalho aparece na página do Facebook [https://www.facebook.com/passaro.deseda]». Contudo, afirma: «Apesar de ir fazendo algumas vendas desse modo, o meu principal objetivo é que este seja um canal de comunicação para ir dando a conhecer, cada vez mais, a marca e os locais onde encontrar as minhas criações.»
O Jorge está durante o ano inteiro, no primeiro domingo de cada mês, na feira de artesanato e design "Gliarte" (no Centro Comercial Glicínias), mas ainda na loja "Casa com trapos", em Ílhavo, no "Museu da Cidade", em Aveiro, e na loja "Dicadecor", na Gafanha da Nazaré. E adianta: «Vou fazendo feiras de artesanato por vários lugares que nunca são os mesmos, de ano para ano.»
Sobre os amendoins, que utiliza de forma inovadora, acrescenta: «Cada vez mais me apercebo de que as pessoas reagem de uma forma muito cómica às minhas criações, porque acham estranho ver trabalhos em amendoim e depois acabam por se rir quando se identificarem com alguns temas; e quem conhece, aproveita para ver as novas criações que são apresentadas sempre na Gliarte que é a primeira feira do mês.»
Sobre a viabilidade económica do artesanato, ambos reconhecem que tem sido possível viver do seu trabalho. O Jorge afiança que tem de esquecer férias, domingos e dias de descanso, mas que é feliz profissionalmente, apesar de trabalhar 16 horas por dia. E diz: «O dinheiro é muito importante mas a realização pessoal é muito mais importante.» E a Maria João adianta que, apesar de estar há pouco tempo a viver exclusivamente do artesanato, tem sido possível, «obviamente sempre controlando os custos e as receitas, uma vez que os tempos não são os mais risonhos». Todavia, frisa que, na sua visão, poderá vir a ter «uma vida bastante confortável, se conseguir encontrar os locais certos para ter as peças do Pássaro de Seda.
Prémio de Artesanato do Festival do Bacalhau 2013
No âmbito da primeira edição do “Prémio de Artesanato do Festival do Bacalhau 2013”, que este ano contou com a apresentação de 30 peças a concurso e que puderam ser apreciadas durante o certame, o júri já tomou uma decisão, bastante dificultada devido à qualidade das mesmas.
Nesse sentido, e não havendo vencedores nem vencidos, mas o registo de um enorme sucesso da iniciativa, apresentamos de seguida os primeiros classificados:
1.º lugar: "Caí nas tuas malhas" - Maria João Cravo
2.º lugar: "Jardins do Mar" - Jorge Miguel Cardoso
3.º lugar: "Bacalhau" - Maria Ernestina Marnoto
1.ª menção honrosa: "Tarefa na seca" - Maria Clara Ramos
2.ª menção honrosa: "Travessa" - Jorge Miguel Saraiva
3.ª menção honrosa: "Da ria ao mar" - Maria José Nascimento
Fonte: CMI
Nota: Os dois primeiros prémios, Maria João Cravo e Jorge Miguel Cardoso, concederam uma entrevista ao Timoneiro, antes de conhecidos os resultados deste prémio.