Texto e foto de Ângelo Ribau Teixeira
Um dia destes será a "Botadela"
O marnoto gafanhão está ao leme da bateira |
Um dia destes, quando o tempo o permitir e a marinha estiver pronta, será destinado o dia da “botadela”, normalmente um domingo. O marnoto dará um almoço, que será feito e servido na própria marinha, para o qual convidará os amigos. Para a comezaina e para ajudar na botadela que é um trabalho muito duro!
O tempo continuou propício, os dias foram de calor desde o nascer ao pôr-do-sol. Aproximava-se o dia da botadela. O anúncio foi feito:
— Será no próximo domingo…
A areia, miudinha e amarelada, muito limpa, como convinha, já estava pronta havia uns dias. Tinha sido trazida do Bico do Muranzel, por barco saleiro, e descarregada em três pontos do malhadal (os areeiros) de modo a ficar o mais próximo dos meios, para onde depois seria transportada.
No sábado anterior à botadela, na casa do marnoto, era uma azáfama com o preparar dos componentes para o almoço da botadela. Eram as panelas, as batatas, as cebolas e o inevitável bacalhau - o almoço era sempre batatas com bacalhau por ser, no dizer do marnoto, o mais fácil de confecionar.
Nunca eram convidadas mulheres ou raparigas para a botadela, ainda hoje estou para saber porquê! O serviço era muito pesado mas, pelo menos, poderiam ser elas a confecionar a refeição…
Chegou o sábado à tardinha e apareceram-nos em casa os convidados:
— Então amanhã a que horas é?
— Amanhã vamos à missa da manhã, vocês passam pela minha casa para ajudar a levar as panelas. A bateira está ao pé da seca do Egas. É lá que a gente embarca. Quem não estiver a horas, fica em terra… - diz o marnoto.
E assim foi. Tudo como o combinado. O sol estava esplendoroso, nem uma nuvem no céu como convinha num dia de botadela. O pessoal embarcou, sentando-se na borda da bateira. Os moços pegaram nos remos preparando-os para remar. Dois dos convidados mais mexidos quiseram ajudar a remar e sentaram-se nos devidos lugares.
Foi retirado o cadeado que prendia a bateira ao moirão e com um pequeno empurrão esta afastou-se de terra. Saímos do esteiro e entrámos na cale. Era necessário cuidado, pois ao domingo toda a gente ia à missa da manhã (o pessoal trabalha ao domingo) e a saída para as marinhas era à mesma hora para todos. Eram centenas de embarcações que se iam espalhando por aquela ria.
— Eh, pá, olha! - Diz um dos convidados levantando-se e apontando na direção norte para onde se dirigia o maior número de embarcações. A bateira abanou violentamente.
— Senta-te! — Gritou o marnoto que ia ao leme — Ainda botas a bateira ao fundo!
O espetáculo era, para quem não o conhecesse, de pasmar! Dezenas e dezenas de bateiras saídas ao mesmo tempo do ancoradouro, tentando adiantar-se umas às outras, em verdadeira competição.
Não admira que na altura o “Clube dos Galitos” de Aveiro fosse durante uma série de anos Campeão Nacional de Remo, enquanto houve marnotos (moços de marinha) para remar.
Com o pessoal todo sentado seguimos viagem, até que chegámos à “Ilha do Robocho” (Ilha de Sama). Aí as bateiras dividiam-se: umas iam para a “Cale do Oiro” onde o Ti Zé Rito amanhava uma marinha, outras seguiam em frente para as “Leitoas”, marinha amanhada pelo Ti Manuel da Branca, outras ainda seguiam para o Esteiro dos Frades, onde se situava a marinha que íamos “botar a sal”.
Cruzámo-nos neste esteiro com o Firmino Piaca acompanhado pelos seus dois filhos, cagaréus e dos melhores remadores dos “Galitos”, que se dirigiam para a marinha que amanhava, mais a Norte.
O sol começava a aquecer. Os remadores já suavam. Chegámos finalmente à Ilha do Robocho, virámos a estibordo, seguimos mais um pouco e chegámos ao nosso destino a marinha conhecida por “Novazinha das Canas” ou pelo seu nome oficial “Novazinha de Sama”.
Espetámos uma vara, amarrámos a bateira, cada um levou ao ombro a sua carga e lá fomos pelos machos abaixo, deixando tudo junto ao palheiro. Agora ia começar a botadela…
(Continua...)
(Continua...)