segunda-feira, 1 de julho de 2013

Coimbra

01.07.2013

Dia do antigo estudante de Coimbra

Jardim da Sereia

Quem, no percurso da sua vida académica, teve o privilégio de ter passado pela velha Lusa Atenas, recentemente, elevada a Património Mundial da Unesco, sentirá, hoje, uma grande nostalgia.
Coimbra é capital da cultura portuguesa, berço da 3ª universidade mais antiga de toda a Europa e da famosa biblioteca joanina, cujo interior exibe a beleza da madeira exótica oriunda do Brasil.
Por ela já passaram milhares de estudantes, gente que se tornou famosa nos mais diversos quadrantes, que ocupou lugares de destaque, na sociedade civil, nas ciências e nas artes, enfim, um repositório de celebridades.

Recordações de Coimbra
É essa cidade cheia de história, de magia, de sortilégio...e recordações gratas, que hoje evoco, nesta efeméride.
A mais antiga recordação dos meus tempos académicos foi o ingresso, como caloira, num mundo inteiramente novo, aonde cheguei carregada de sonhos, ilusões e também...do seu “enxoval” próprio. A estudante fazia-se acompanhar do uniforme, fato preto, camisa branca com gravata e a emblemática capa de estudante. A somar a este conjunto, estava a indispensável pasta preta de couro, em que a bolsinha interior/porta-moedas, era revestida de cetim, da cor das fitas e do anel de curso, no meu caso azul elétrico. Sou fã da cor azul, em todos os seus cambiantes... inclusive, o azul celeste, nestes dias de verão escaldante! Era tradição desta academia, a pasta ser oferecida pela madrinha. Quando abordei a minha, senti total abertura e recetividade, mesclada de um certo orgulho, por estar a perpetuar uma tradição de longa data. Sempre encontrei, na família, pessoas de espírito aberto! 
Outra tradição, a praxe, é um dos aspetos mais polémicos da vida académica. Com início na Universidade de Coimbra, surgiu como forma dos mais velhos integrarem os recém-chegados estudantes, os caloiros, num ambiente hierarquizado.



Rua Alexandre Herculano

Consistia num conjunto de rituais iniciáticos, conhecidos como "investidas" e decorreram de forma mais ou menos ininterrupta até 1727, quando um comportamento que levou à morte dum estudante, levou o rei D. João V a proibir este tipo de atividades, enquanto não se estabelecessem regras claras, que pusessem cobro às barbaridades que ocorriam. Em todos os tempos e não só, nos dias de hoje, houve exageros, neste contexto.
Atividades que têm, em comum, o lema "Dura Praxis sed Praxis", baseado na conhecida formulação "Dura Lex sed Lex", servem para vincar a ideia de que quem quiser ingressar nesse mundo, tem que se submeter às suas regras.
O uniforme que muitos associam aos estudantes, capa e batina, tem a sua origem nos paramentos dos padres que, até muito tarde, dominaram o ensino em Portugal. Surgiram como forma de diferenciar o ofício estudantil das restantes classes e de eliminar as distinções entre os alunos. Todos vestiam de igual. O elemento mais destacado do conjunto é a capa, um ícone da vida estudantil, pela carga simbólica que representa. 
De acordo com a tradição, no final do curso deve-se proceder ao "Rasganço", em que o traje é desfeito num ato, pejado de simbolismo. Porém, dado o seu valor sentimental, cada vez menos, se realiza este ato, sendo mais comum ir fazendo rasgões na capa, ao longo do percurso académico. 
Foi em Espanha que surgiram os Sopistas, predecessores dos atuais Tunos. Eram estudantes pobres que cantavam para conseguirem um prato de sopa ou de dinheiro que os ajudasse ao sustento. De noite, assumiam de forma mais clara, a boémia e cantavam serenatas às senhoras, como forma de declaração amorosa.
O nome "Tuna" vem, segundo reza a lenda, de Tunes, capital da Tunísia, que terá inspirado muitas dos tradicionais costumes dos Sopistas.
O apogeu da vida académica acontece na Queima das Fitas. Na década de 50 do séc. XIX, em Coimbra, os estudantes que completavam o 4º ano de faculdade e terminavam a vida estudantil começaram a ganhar o hábito simbólico de queimar as tradicionais fitas que representavam o seu curso para marcar o final do percurso académico.
Este ato acabaria por evoluir para um festival de diversas atividades, que teve o primeiro cartaz estruturado em 1901 e que evoluiu para as atuais semanas académicas que hoje conhecemos.
Realizada todos anos em outubro, a "Festa das Latas" ou “Latada” surgiu como um cortejo carnavalesco em que os caloiros se apresentavam à cidade. Ostentavam inúmeros adereços e cartazes com ditos jocosos e satíricos, provocadores, como forma velada de fazer contestação política numa era de repressão fascista. 
Os estudantes do sexo masculino alojavam-se em repúblicas. Estas residências foram criadas pelo diploma régio de 1309 de D. Dinis, que ordenava a construção de casas na zona de Almedina, destinadas a esse fim, mediante o pagamento de uma renda. O valor desta seria definido por uma comissão nomeada pelo rei e constituída por estudantes e por “homens bons” da cidade.
O primeiro contacto com uma república é marcado pela ideia de comunidade. Estas casas são geridas pelos próprios estudantes residentes que, democraticamente, decidem as suas questões por unanimidade.
Era estritamente vedado, a uma rapariga de bom porte, a entrada num desses “antros de perdição”, na voz dos mais conservadores e blasfemos. Esta tónica foi-se diluindo com o evoluir dos tempos e hoje, penso que ninguém já partilha deste radicalismo difamatório!
Os nomes das repúblicas traduzem o espírito irreverente e boémio que caracteriza o estudante nesta faixa etária.
Eis alguns dos nomes mais emblemáticos que integram a vida quotidiana nesta Coimbra do Choupal.


REAL REPÚBLICA DOS KÁGADOS
Fundada em 1933 na antiga Rua do Correio, nº 98. 

REAL REPÚBLICA SPREIT-Ó-FURO
Fundada em 1941
Ladeira do Seminário, Vila Bento, nº 1. 

REAL REPÚBLICA RÁS-TE-PARTA
Fundada em 1943 na antiga Rua dos Estudos
Rua da Matemática, nº 6.
REAL REPÚBLICA PALÁCIO DA LOUCURA
Fundada em 1947
Rua Antero de Quental, nº 21. 

REPÚBLICA DOS GALIFÕES
Fundada em 1947
Couraça dos Apóstolos, nº 124. 

REAL REPÚBLICA DO BOTA-ABAIXO
Fundada em 1949 na antiga Rua do Borralho
Rua S. Salvador, nº 6. 

REPÚBLICA NINHO DOS MATULÕES
Fundada em 1950 no Bairro Sousa Pinto
Avenida Bissaya Barreto, nº 29, 4º 

REAL REPÚBLICA AY-Ó-LINDA
Fundada em 1951
Bairro Sousa Pinto, nº 33 

REAL REPÚBLICA DO PRÁ-KYS-TÃO
Fundada em 1951
Casa da Nau, Rua das Esteirinhas, nº 2 

REPÚBLICA DOS INKAS
Fundada em 1954
Rua da Matemática, nº 32 

REAL REPÚBLICA OS PYN-GUYNS
Fundada em 1955
Rua Dr. Henriques Sêco, nº 44 

REAL REPÚBLICA BOA-BAY-ELA
Fundada em 1956
Rua João Pinto Ribeiro, nº 17 

REAL REPÚBLICA RÁPO-TÁXO
Fundada em 1956
Bairro Sousa Pinto, nº 13. 

REAL REPÚBLICA TRUNFÉ-KOPOS
Fundada em 1960 na antiga Rua Silva Rosa, nº 6
Rua Pires de Campos, nº 18 

Pela experiência pessoal, direi que quem, alguma vez, estudou em Coimbra, partilhou do espírito boémio da vida académica, cantou a Samaritana, escutou o Zeca Afonso nas noites quentes de maio, nos jardins da Associação Académica, traseiras do Teatro Gil Vicente... vivenciou amores na mata do Choupal, no Jardim da Sereia, no jardim Botânico ou em Vale de Canas... sente o apelo de lá voltar! À cidade, onde as pedras das ruas tortuosas do Quebra-costas falam por si! As histórias que contam.... ficam para sempre guardadas no coração que ainda continua a bater, compassadamente! Recordar... é viver!

Mª Donzília Almeida

01.07.2013

1 comentário:

  1. Só quem estudou em Coimbra...sente verdadeiramente o conteúdo deste texto!

    ResponderEliminar