quinta-feira, 4 de abril de 2013

A caminho de um século de vida


Diamantino Sarabando 
desfia recordações de trabalho duro 

Diamantino Sarabando


Diamantino da Rocha Sarabando é um ancião prestes a completar um século de vida. No dia 2 de Janeiro de 2014, se lá chegar, como nos garantiu, terá 100 anos. «Mas ainda falta muito!», disse-nos com um sorriso bem-humorado. E nessa altura seria justo que a família e a comunidade o ajudassem a comemorar tão feliz acontecimento, como decerto vai acontecer. 
Diamantino Sarabando fala com desenvoltura, intercalando a conversa com um ou outro trocadilho cheio de graça. Mas a sua grande dificuldade está bem patente na necessidade de usar «duas bengalas para se equilibrar melhor». Não sabe ler nem escrever, porque, enquanto menino, «não havia tempo nem escolas para isso». Porém, quando chegámos junto dele, com o ministro extraordinário da comunhão Alfredo Ferreira da Silva, tinha um folheto publicitário na mão, fixando nele os olhos, ao jeito de quem está a ler. Mas não estava: «Estava só a ver as figuras» — explicou-nos. 
Natural da Gafanha da Encarnação, desde pequeno embrenhou-se no trabalho da pesca, ao lado do pai, nas companhas da arte da xávega de S. Jacinto e da Costa Nova, que tinham seis juntas de bois a puxar em cada corda da rede. A princípio tinha de arrastar as cordas até aos bois e poucos anos depois já as atava e desatava. O salário diário era de cinco centavos. Não sabe ler nem escrever porque «não havia tempo nem comer; era preciso trabalhar, mas trabalhar bem» — esclareceu. 
Na sua juventude, as companhas eram batizadas pelos pescadores com nomes que só eles saberiam explicar. Recorda as companhas da Burra, Zana Trana, Landrona e Velhinhos, entre outras que a memória já não consegue trazer até ao presente.





Diamantino Sarabando com Alfredo Ferreira da Silva

Diamantino tem na ponta da língua estórias vivas de épocas de miséria e de fomes. Os lavradores ainda escapavam, mas os trabalhadores sofriam no duro. Roupas andrajosas, feitas de panos baratos pelas costureiras, «com agulha e linha». Vestiam calções em vez de calças e andavam descalços. Sapatos somente os usou, pela primeira vez na vida, no dia do casamento, com 20 anos, em 1934. A noiva, Maria Emília de Jesus Martins, era de Vagos, tendo-se conhecido na Costa Nova, onde viviam. Quem os casou, recorda com um olhar de justa saudade, foi o Padre Rezende. E desse casamento nasceram nove filhos, havendo cinco vivos, quatro mulheres e um homem. Tem filhas e netos na América, alguns dos quais nasceram lá e nunca os viu. 
Voltando atrás, o nosso entrevistado evoca o tempo em que foi moço de bois. Ganhava mais e conseguiu fazer uma casa na Gafanha da Encarnação, para nela viver com a família. E disse-nos, como curiosidade, que era irmão do coveiro Manuel Vechina, da Gafanha da Nazaré. 
Deixou o trabalho de pescador, quando se empregou na Cerâmica Aveirense durante sete anos e aos 27 voltou ao mar, agora nas traineiras de Matosinhos, outros sete. A seguir embarcou nos navios Fernandes Lavrador e David Melgueiro, seis anos, na pesca do bacalhau, mas uma úlcera no estômago obrigou-o a ficar em terra para se tratar. 
Posteriormente ingressou na EPA (Empresa de Pesca de Aveiro) para serviços de pedreiro, e passado algum tempo foi para o refeitório. Aquecia as comidas de trabalhadores e fazia churrascos «para a rapaziada que lhe pedia». «Gosto de cozinhar e de provar, com um copo de vinho ao pé de mim» — disse-nos com um sorriso aberto. Reformou-se aos 73 anos, «porque gostava de viver uns anos com a sua mulher, descansando de uma vida dura». 
Vive com o filho José, solteiro, mas as filhas e netos não o esquecem, telefonando-lhe «quase todos os dias», dizendo que «são todos muito seus amigos». Os que moram perto vêm visitá-lo. 
O nosso entrevistado recebe todos os fins-de-semana o «Pai do Céu», graças ao ministro extraordinário da comunhão Alfredo Ferreira da Silva. Mas recorda que a iniciativa partiu do António Morais, de saudosa memória, que organizou tudo, pois começou a sentir dificuldades em caminhar «para ir à missinha». Quando lhe falámos em participar numa missa no dia do seu 100.º aniversário, adiantou que não podia sair, porque tem problemas na próstata que o obrigam a urinar com frequência. 

Fernando Martins

1 comentário:

  1. É uma delícia conversar com o Sr Diamantino, de quem o Zé da Rosa era um grande amigo. Várias vezes conduzi o paizinho, para uma visita de cortesia ao seu grande amigo e lá ficavam os dois, em amena cavaqueira, o tempo que lhes apetecesse! Para isso, eu tinha todo o tempo do mundo! Sempre que o Zé da Rosa manifestava vontade de fazer uma visita ao seu amigo, era com enorme prazer que eu me deslocava à cidade vizinha. Belos tempos em que usufruia da companhia do paizinho e lhe podia proporcionar estes pequenos grandes prazeres.
    Agora, continuo a visitá-lo, na companhia de outro Zé, o seu muito querido e estimado filho! É louvável, nestes tempos de escassez de afetos, constatar como um ancião, quase centenário, é cuidado por outro homem maduro, de rija têmpera. É um prazer conversar com ambos, quando os visito. Faço votos para que se concretize a etapa próxima, os cem anos! Força, Sr Diamantino!

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