PAI SURPREENDENTE
Georgino Rocha
Cresce a murmuração a respeito dos comportamentos de Jesus por causa de acolher e comer com pecadores. São seus porta-vozes os fariseus e os escribas, conhecidos pelo zelo em relação à observância das leis. Era manifesto que ele andava com “mas companhias”, gente “fora de lei”, excluída das bênçãos de Deus, marginalizados sociais, proscritos contagiantes e amaldiçoados. De facto – informa Lucas na parábola do Pai bondoso e cheio de misericórdia -, “publicanos e pecadores aproximavam-se todos de Jesus para O ouvirem”.
A resposta à murmuração chega em género de parábola, a mais bela do Evangelho. É tão rica que se converte em fonte de inspiração para artistas de rara qualidade. Sirva de exemplo Rembrandt, pintor flamengo do século XVII, e Nouwen, escritor jesuíta contemporâneo com o seu livro “O regresso do Filho Pródigo”. É tão rica que fica como o “retrato” mais expressivo do Pai que surpreende pelas atitudes que toma, pelos sentimentos que revela, pela determinação serena e firme que assume face aos filhos que não se relacionam nem reconhecem como irmãos. Assim, é Deus. Assim somos nós, sempre que reproduzimos este comportamento.
O Pai surpreendente excede-se em todo o seu proceder: reparte em vida os bens (transgredindo a lei que regula as heranças Dt 21, 15-17; Ben Sirá 33, 20-24); vê a família desfazer-se, respeitando a ousadia sonhada pelo filho mais novo; sofre confiante a aventura em que se lança e o “corte” radical que faz com a casa paterna; “moído” pelo amor anseia pelo dia do seu regresso; alegra-se efusivamente ao descortinar a sua silhueta no horizonte; corre apressadamente e enche-o de ternura, abraçando-o e dando-lhe beijos, antes de o filho querido lhe dizer o “discurso” de arrependimento que tinha preparado; convoca familiares e amigos para a festa de boas vindas, de feliz regresso, de vida nova que volta ao seu lar. Assim, é Deus. Assim somos nós, sempre que deixamos o Pai manifestar-nos o seu amor de misericórdia e perdão.
A aventura do jovem “desenha” bem o sonho encantado de quem deseja fazer experiências inovadoras, conhecer situações diferentes, afirmar a sua liberdade. A tudo lança a mão, tal o frenesim da paixão. Esgotados os recursos e adormecidos os estímulos, as necessidades básicas fazem ouvir a sua voz: o alimento que mata a fome; a solidão e com ela a nostalgia do ambiente da casa paterna; o desejo intenso de regressar; a consciência dos riscos que correu; a decisão firme de encarar o futuro, de confessar o “seu pecado”, de pedir perdão, de aceitar ser de novo filho e não assalariado como pretendia, de entrar na festa da reconciliação. E o Pai aguarda paciente. Assim é Deus.
A atitude do irmão mais velho é coerente. Ele está cheio de razão legal. Nunca falhou em nada. Sempre cumpriu ordens: em casa, no campo, no convívio dos amigos. O ressentimento é compreensível. A sua resposta parece correcta. No entanto, deixa a claro o espírito servil, a carência do amor filial, a alegria da família, o agrado de cuidar dos bens da casa paterna (que, entretanto, já eram seus). Falta-lhe o sentido “transcendente” da vida quotidiana.
A surpresa chega com novos requintes do Pai bondoso: vem ter com ele, explica-lhe o sucedido, insiste para que participe na festa e deixa-o livre para que tome a decisão que entender. O convite continua feito à-espera de resposta. O narrador da parábola deixa em aberto o desfecho da situação. Inteligentemente! Assim é Deus. Enquanto houver tempo, oferece-nos sempre uma oportunidade. Assim é Jesus, o rosto amável de Deus, que se autorretrata nesta bela parábola e projecta/denuncia a atitude dos fariseus no proceder do filho mais velho e anuncia a dos publicanos e pecadores na do mais novo. Também aqui se revela a surpresa de Deus que se faz acessível e assertivo para com todos.