sábado, 26 de janeiro de 2013

O Papa informou que ficava sujeito à crítica...

A infância de Jesus segundo Ratzinger/Bento XVI
Anselmo Borges

Anselmo Borges


A história verdadeira e toda lê-se do fim para o princípio. Antes, apenas há sinais, pois o processo de fazer-se está ainda em aberto. Aí está a razão por que nunca podemos dizer de modo cabal o que foi a vida de um ser humano, já que não sabemos como morreu, o que foi a sua morte, o seu fim.
Um bom exemplo disto é Jesus. Muitos o seguiram, convocados pelo que dizia e fazia, pela sua mensagem em palavras e obras, pela sua pessoa. Seria ele o Messias? Depois da crucifixão, fazendo o cômputo todo da sua existência, incluindo o modo como morreu - para dar testemunho do amor e da verdade do que moveu a sua vida: Deus que é amor -, os discípulos acreditaram que ele está vivo em Deus e confessaram a sua fé viva nele como o Messias, Filho de Deus, o Salvador, aquele que revelou de modo definitivo e insuperável quem é Deus, cuja causa é a causa dos homens e das mulheres.


Foi a partir dessa fé que leram retrospectivamente a sua vida histórica, real, situada num tempo concreto, sob o domínio de Herodes e no quadro do Império Romano. Trata-se de uma história real, mas lida e interpretada com o olhar da fé. Esta leitura interpretada teologicamente é particularmente visível nos relatos da infância, que só aparecem nos Evangelhos de Mateus e Lucas, utilizando um género literário próprio, o midraxe, que não quer narrar factos, mas ler teologicamente: neste caso, projectando sobre o princípio o que já sabem no fim: em Jesus, cumpriram-se as promessas.

Infelizmente, do livro de Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré. A infância de Jesus, publicado pouco antes do Natal, para os media pouco mais restou do que a não existência do burro e da vaca. De qualquer modo, o próprio Papa preveniu, no primeiro volume da sua obra sobre Jesus, que, não escrevendo enquanto Papa, ficava sujeito à crítica. Ora, é precisamente o que faz a maior parte dos exegetas e historiadores, considerando que não teve na devida consideração o género literário próprio dos relatos da infância.

Alguns exemplos. Ao contrário do que afirma J. Ratzinger - "Maria é um novo começo, o seu filho não provém de um homem" -, nada parece indicar que o Novo Testamento refira a virgindade. O que se pretende afirmar é que Jesus está vinculado a David pelo lado do pai, José, e é Filho de Deus, concebido por obra do Espírito Santo. Portanto, o que aqui se encontra não é uma concepção e nascimento virginais, mas a tomada de consciência do mistério do seu nascimento, de todo o nascimento. Como escreve o jesuíta Juan Masiá, "a nova vida é gerada por obra dos pais e pela graça da Palavra criadora. Por isso, é procriação: obra humana e divina. Pode dizer-se, em teologia cristã, que Maria e José geram Jesus, que é fruto da sua união como eu da dos meus pais; e, ao mesmo tempo, que essa criatura é fruto da acção criadora do Espírito. Esse nascimento transforma-se em símbolo iluminador do que acontece em todo o nascimento; não é um dar à luz excepcional sem participação de varão, mas o símbolo que recorda que todo o nascimento é, ao mesmo tempo, obra dos progenitores e graça do Espírito de vida".

Assim também, embora, muito provavelmente, Jesus tenha nascido em Nazaré, aparece como nascendo em Belém. Trata-se de mostrar, em conexão com David, que ele é o verdadeiro Messias e rei, mas no quadro de uma realeza diferente.

Não tem sentido nenhum perguntar aos astrónomos pela estrela aparecida aos magos. Estes são sábios que procuram a verdade. Jesus nasceu para todos os que procuram a verdade e, como mostra a presença dos pastores, gente pobre e marginalizada, ele está, em primeiro lugar, ao lado dos mais pobres e marginalizados. E há sempre uma estrela que guia quem busca a luz e a verdade. Se, mais tarde, a Igreja colocou a data do seu nascimento no dia 25 de Dezembro, no solstício de Inverno, isso deve-se à conexão com a festa do Sol Invicto.

Se Jesus aparece perseguido por Herodes, a caminho do Egipto, é porque participa na sorte de Moisés, também ele liberto da morte e libertando o seu povo no Êxodo. Jesus é o verdadeiro Moisés, Libertador da Humanidade.

Li no DN

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