Um conto de Maria Donzília Almeida
O Scott |
Apareceu abatido, escanzelado, cabisbaixo. Esta atitude de prostração, contrastava com a sua natural energia, diria até, uma euforia que marcava a sua personalidade. Era um jovem cidadão, neste mundo cão, em que nos encontramos, no nosso dia-a-dia.
Metia dó contemplar o aspeto de alguém que sofrera os reveses da vida!
Da vergonha resultante do destino que lhe fora traiçoeiro, nem sequer ousava enfrentar a família e olhar os seus entes queridos, de cara a cara. As forças e a humilhação pela derrota sofrida, retiravam-lhe a coragem e a firmeza do olhar.
Partira, na véspera de ano novo, enfeitiçado pelo barulho das luzes e pelo estrondo dos foguetes! Deixara para trás o lar acolhedor que o adotara como filho legítimo e partiu à procura da aventura, do desconhecido. Vagueara, sem rumo certo, por ruas e becos esconsos, aproximara-se de restaurantes de luxo, onde saciava a sua fome de imprevisto e...deambulara-se, por uns intermináveis quatro dias, sem rei, nem roque!
A família de acolhimento, já chorava a perda e desaparecimento do seu ente querido e contactara as forças de segurança, para se porem no encalço do foragido.
Apareceu, encaminhado por outra criança, que ouvira o apelo lancinante da sua teacher....que perdera o seu cãopanheiro. Sensíveis que são a estes problemas, rapidamente se puseram em campo e eis que o Scott se reencontrou com a dona, no seu jardim das delícias!
De tão maltratado, exibia, no dorso um enorme ferimento, em carne viva, resultado das lutas que travou, com qualquer assaltante de estrada!
Mas...não ouviu ralhetes, imprecações, censuras! O coração da família, ali estava aberto, recetivo, cheio de perdão e de amor para compensar a dor da derrota, da vergonha, da transgressão.
O melhor manjar foi dispensado a “Mr Scott”, que não se fez rogado e uma semana após o bem-aventurado regresso, readquiriu toda a sua energia incontida, bem manifesta nos despojos do seu velho edredão de penas!!!
Até um casaquinho, de tecido tigrado, saltou da gaveta onde se guarda o enxoval canino e foi vestido a sua eminência, o lorde cá de casa!
Saber perdoar...é a virtude, que a dona demonstrou, para com os atos irrefletidos desta criança imatura!
E...a parábola do filho pródigo, agora em contexto canino, repetiu-se, sempre nova, sempre atual!
10.01.2013