SERVIR O VINHO DA ALEGRIA
Georgino Rocha
Georgino Rocha |
A boda dos noivos de Caná da Galileia é para Jesus a oportunidade de manifestar a relação do casamento natural com o amor de Deus pelo seu povo. A relação tem o valor de símbolo e a manifestação constitui o primeiro sinal da novidade que Jesus traz à realidade humana, conjugal e familiar. A oportunidade surge quando, no decorrer da festa, vem a faltar o vinho – que provoca um certo desconforto entre os mais atentos e solícitos.
A mãe de Jesus está presente. Dá conta da ocorrência e, discreta, intervém junto de seu Filho, expondo brevemente a necessidade sentida. Dirige-se também aos serventes e recomenda-lhes simplesmente que façam o que ele disser. E a maravilha vai-se realizando: as talhas de pedra que estavam vazias, enchem-se; a transformação da água em vinho, acontece; o teste da prova faz-se e é conclusivo; a necessidade é superada; a serenidade vence a ansiedade; a alegria renasce e redobra de intensidade; o chefe de mesa convence-se e interpela criticamente o noivo; o vinho bom tinha chegado e era para ficar; a mensagem é captada e os discípulos acreditam. E João, o narrador do episódio, afirma que Jesus manifesta assim a sua glória, a missão de que estava incumbido por Deus Pai.
A missão de Jesus consiste em ser o amor humanizado de Deus que perpassa e se realiza, de forma especial, na atenção ao que acontece, na proximidade solícita e solidária para com os carecidos e aflitos, na valorização dos pequenos gestos, no diálogo interpelante, na alegria do convívio e da festa, na relação conjugal entre homem e mulher, no matrimónio conscientemente assumido e fielmente vivido.
Nas bodas de Caná, tudo aponta para este final feliz. Quem fica nos pormenores e perde a intenção de Jesus pode comparar-se a alguém que quer ver a lua, mas não tira o olhar do dedo de quem aponta a direcção em que ela se encontra. Por mais esforços que faça, nunca alcançará o que pretende e corre o risco de descrer da sua existência, apesar de observar o luar brilhante em noites de céu límpido e estrelado. Assim, quem não alicerça o amor conjugal heterossexual na sua matriz original – a criação do homem e da mulher como seres em relação mútua e recíproca – e na bênção renovadora e reconfortante com que Jesus a enriquece e eleva.
A água e o vinho constituem os elementos materiais que visualizam esta novidade. São realidades normais da vida quotidiana: a água como elemento natural bruto; o vinho, como fruto “da terra e do trabalho humano”; ambos vão ser transformados na eucaristia em dons da salvação. Nas bodas de Caná, tudo é frágil e momentâneo, mas fortemente expressivo. Assim no casamento, realidade humana sujeita a tantas tribulações, mas onde se serve no dia-a-dia o vinho da alegria e do perdão e se faz vida o amor de Deus em sentimentos de comunhão e gestos de doação e entrega.