Anselmo Borges
Anselmo Borges |
No passado dia 10 de Dezembro, realizou-se em Lisboa uma merecida homenagem a Frei Bento Domingues, com a apresentação do livro Frei Bento Domingues e o Incómodo da Coerência, onde escrevem personalidades destacadas de diferentes quadrantes da cultura, da política, da religião.
Os intervenientes na sessão salientaram os valores por que Frei Bento se rege: a coerência, o diálogo, o humanismo universalista (Guilherme d'Oliveira Martins), a sabedoria, a dignidade humana, a ética (Maria José Morgado), o amor, a tolerância (Luís Osório, que concluiu: "Sempre que vejo um homem e penso em Jesus, penso em Frei Bento").
Ao longo da sua vida, foi deixando lições fundamentais: a paixão por Jesus Cristo, a liberdade cristã - "foi para a liberdade que Cristo nos libertou", escreveu São Paulo -, uma teologia que tem de ser encarnada, o combate pelos direitos humanos, a magnanimidade com os perseguidores, o despojamento em relação ao Poder, que conhece mas ao qual nunca se colou, a alegria, aliada a uma ironia fina, uma generosidade sem limites. É enorme a dívida da Igreja e dos portugueses para com Frei Bento Domingues.
O que aí fica é uma brevíssima tentativa de leitura da sua teologia, expressa cada domingo nas suas crónicas. Ele também lê o Evangelho, e lá está, no Prólogo do Evangelho segundo São João: o Logos, a Palavra, fez-se carne, ser humano frágil, fez-se tempo (Chronos), assumindo-o na sua fragilidade e dando-lhe sentido. Aí está a crónica no sentido teológico: a Palavra no tempo - a Palavra habita o tempo, e então o ser humano transcende o tempo na sua voragem, há um Sentido de todos os sentidos - quantas vezes, nos seus textos, Frei Bento refere esta ideia: a articulação do Sentido de todos os sentidos.
O que são os Evangelhos senão narrativas - histórias do e no tempo, iluminadas pela Palavra? O que são os evangelistas senão cronistas do Reino de Deus a acontecer em histórias paradigmáticas? Será possível uma teologia viva que não seja teologia narrativa? Concretamente a teologia cristã o que é senão reflexão explicitada sobre a praxis do Reino de Deus? É assim que Frei Bento é o teólogo-hermeneuta, se se quiser, cronista do Reino de Deus, que é o reino do homem bom, justo, livre, fraterno e feliz.
E aí estão os seus grandes princípios arquitectónicos: teologia do Reino de Deus; contra a gnose, porque "não há salvação fora do mundo"; teologia que não abandona a razão crítica, também em relação à Igreja, frequentemente "pasmada e sentada", no dizer de Fernando Alves, até porque sabe que a razão autónoma, feito o seu percurso todo, descobre que ela própria se acende na noite do Mistério e que só um homem livre pode dizer sim a Deus; teologia que vincula ética e estética; teologia ecuménica: todos estão incluídos, sem anular, pelo contrário, implicando, as diferenças; teologia para a paz e articulando-se à volta da ética e da mística, num vínculo indissolúvel, pois a nova catolicidade passa por essa outra nova globalização desde baixo, desde os débeis, pobres e marginalizados, à escala mundial.
O tempo, na sua fragilidade e carácter efémero, é habitado: o Verbo fez-se carne no tempo. Frei Bento Domingues continuará a alumiar-nos como cronista do Reino de Deus a caminho, Reino de uma humanidade boa, livre, justa e feliz. Precisamente a concretização desta bondade, liberdade, justiça, fraternidade, diálogo, felicidade, no horizonte sempre mais aberto de esperança no Sentido de todos os sentidos, irá sendo o critério de verificação da verdade da fé e da teologia, uma verificação sempre frágil, porque, num mundo que é processo, a verificação última é para todos escatológica: só no fim se saberá.
De todos os modos, como ele escreveu, "A religião verdadeira é a respiração da alegria da terra ou o projecto contra o sofrimento do mundo. Quando uma religião, uma igreja ou uma seita se cala perante a humilhação da condição humana, é porque se esqueceu da pergunta de Deus que percorre a história da desumanidade: 'que fizeste do teu irmão?' A arte de viver de Jesus de Nazaré foi esta pergunta feita carne, humanidade de Deus."
No DN
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