terça-feira, 27 de novembro de 2012

Repensar o Estado Social, uma emergência que se impõe


Por António Marcelino 


Estamos envolvidos por um barulho apocalítico onde há mais emoções e garganta que inteligência e discernimento. As opiniões cruzam-se: que estão a matar o Estado Social, que o querem esfrangalhar, que está a ser vítima de um ataque inaceitável… Todos sentimos e sabemos que o Estado Social é uma realidade indispensável, uma exigência democrática, um meio imprescindível para que se possa realizar o bem comum e o apoio devido aos mais pobres, sem recursos próprios para o que é essencial.
Os gritos que por aí se ouvem não passam de demagogia barata, manifestação de uma guerra partidária e manipulação do povo, agora fragilizado por necessidades concretas e, por isso, aberto à influência de quem está bem, pensa em si e se sabe aproveitar daqueles que não estão.



O Estado Social, que depressa se tornou “Estado Providência” por influência dos políticos que prometem tudo, mesmo o que sabem nunca poder dar, foi uma deriva péssima, um criar de ilusões, uma linguagem onde abundam direitos sem deveres. Saúde, educação, segurança social são campos a que o Estado Social deve prestar especial atenção. Ninguém pode esperar de um governo de qualquer cor, que seja uma instância miraculosa, detentora e administradora de um poço sem fundo. O Estado Social tem duas vertentes complementares: por um lado os cidadãos chamados a cumprir os seus deveres fiscais e a colaborarem na ordem pública e, por outro, o governo a ser realista, a sentir-se obrigado a administrar com justiça os bens de todos, tendo em mente as normais exigências do bem comum. De há muito, que pouco ou nada se fala do bem comum. É que este é contrário às formas de compadrio e favores a amigos. Talvez por isso mesmo. Assim, se manifesta um empobrecimento da democracia, um esvaziamento das estruturas sociais, a entrada em cena de um novo coletivismo e as mil tentações de um totalitarismo disfarçado. Quando o bem comum se apaga da mente e da prática governativa, o desequilíbrio social é inevitável.

Quando a economia perde a dimensão social e só pensa em lucros para alguns, torna-se inumana e vai atirando o povo, com a aparência de favores a prestar-lhe, para uma rampa perigosa. A banca passou a vender tudo, até ilusões, dizendo aos clientes que é possível comprar tudo o que se deseja porque ela empresta. A ânsia de ter e o pensar que o Estado Social é inesgotável, qual divina providência, levou à desgraça muita gente que caiu no engodo. Se beneficiou, viu-se mais tarde a perder o que tinha e a descobrir a outra face dos bancos protetores, que não fazem caridade e têm uma política unidimensional. Muitas repartições mais parecem bazares tentadores, que instâncias de serviço público. Uma concorrência desleal para com aqueles que pagam os seus impostos. O Estado, porque não tem vocação para enfrentar gigantes, tornou-se impotente perante os grandes. Sempre foram os que, sem rosto, têm o dinheiro, que mandaram e continuam a mandar. Para quem só vê cifrões, dinheiro é poder.

Chegamos ao ponto de o Estado, grande patrão e porto que todos julgavam seguro, estar dependente de quem lhe empresta dinheiro. Não se veem as pessoas a interrogar-se sobre as causas, mas a procurarem um bode expiatório, sem que se lembrem de que quem cegamente ataca hoje, amanhã é atacado por iguais razões.

Este Estado Social, a tal ponto o levaram os partidos políticos e os cidadãos que só pensam em si, se já tem presente difícil, muito menos tem futuro. Mas, se ele é indispensável ao conjunto nacional e muito especialmente aos cidadãos mais desfavorecidos, ou é repensado por gente capaz de refletir e de abrir caminhos, ou as profecias catastróficas, por aí ouvidas e por alguns desejadas, acabarão por dar certas.

Há que repensar o Estado Social para conjugar receitas com despesas, possibilidades com necessidades, realidade com projetos viáveis, para tomar consciência de que, na sociedade civil, na iniciativa privada e nas instituições há muitas capacidades não aproveitadas. Subsidiariedade não é apenas uma palavra. Mais reflexão, menos folclore. Nenhum governo é omnisciente e omnipotente. Tem de ouvir e congregar. Nos anos de democracia tivemos ocasião de ver que todos e cada um dos governos das diversas cores políticas passaram dificuldades. Os entraves vieram sempre do mesmo sítio. As memórias são curtas e, por isso, falta consciência ao presente e o futuro não tem projetos. Há gente no mundo da política, pessoas e grupos, que nunca aceitou a lógica democrática ou a aceitou apenas para os seus interesses. Sem esta lógica, aceite e cumprida, cada vez há menos Estado Social e menos capacidade de o repensar.

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