CORAGEM! ELE ESTÁ A CHAMAR-TE
Georgino Rocha
Esta exortação “faz a ponte” entre o grito confiante de Bartimeu e a atenção que Jesus lhe quer dispensar. Condensa e exprime o desejo recíproco do encontro, do diálogo pretendido, da compaixão suplicada. Evidencia a situação de quem está retido à beira dos caminhos da vida e dos que livremente vão fazendo o seu percurso, integrando-se nas multidões ou acolhendo-se a grupos de preferência.
Marcos narra o episódio do cego de Jericó, colocando-o pedagogicamente após a tensão surgida entre os apóstolos por causa de saber quem entre eles é o maior e antes de se “fazerem ao caminho” que o Mestre decididamente ia tomar rumo a Jerusalém. Aqui, se desvendará quem é o primeiro no reino de Deus: o que, por amor, a tudo se sujeita, mesmo à morte de cruz. O autor pretende “desenhar” o perfil do verdadeiro discípulo.
Bartimeu sente as limitações e sofre as consequências resultantes do seu estado numa sociedade legalista e discriminatória, A necessidade força-o a pedir esmola saindo para os caminhos por onde passavam os transeuntes. Um dia ouve dizer que Jesus de Nazaré ia a passar e dá largas à sua voz reprimida, gritando: “Filho de David, tem compaixão de mim”. Esta súplica mostra a sua confiança em ser atendido, pois como outrora David protegia os seus súbditos necessitados, assim agora – pensa o cego – Jesus lhe iria valer, compadecendo-se da sua situação.
A multidão tenta abafar o seu grito, repreende-o e manda-o calar. Ele, porém, não está disposto a perder a oportunidade e insiste. Vence com a sua persistência as tentativas de o silenciarem. Que lição para os tempos que correm! Resistir à onda avassaladora da dignidade humana, do destino universal dos bens, da solidariedade subsidiária, do direito dos cidadãos à escolha da educação, da expressão pública da fé. Dar voz aos gritos abafados dos idosos solitários, às lágrimas dos espoliados dos bens de sustento, às dores das vítimas da conjuntura económica, aos gemidos dos “sem vez” nesta crise alarmante.
Jesus detém-se, manda-o chamar e espera. O recado chega depressa. Que dita não terá vivido Bartimeu naquele instante! E ainda por cima com o apoio amigo de quem lhe transmite a mensagem. Momentos únicos na vida. “Coragem! Ele chama-te”.
O encontro dá-se, o diálogo clarifica o pedido e a compaixão manifesta-se. Jesus declara-o curado, devido à sua fé confiante. O cego recupera a vista e segue Jesus pelo caminho, rumo a Jerusalém, onde verá “coisas maiores”: o amor feito doação que brilha na morte tenebrosa da cruz e na ressurreição refulgente da sepultura na manhã da páscoa.