Por Anselmo Borges
no DN
No quadro da presente situação nacional e global de crise, e de violência dos extremistas radicais no mundo islâmico, retomo alguns ditos e duas histórias de ou sobre Jesus, plenos de sabedoria e ensinamentos, provenientes da tradição muçulmana
É preciso saber que o Alcorão se refere várias vezes a Jesus como Profeta que anuncia o Deus único, criador e senhor da vida. Nasceu miraculosamente de Maria. A sua mensagem é de paz, mansidão e humildade. É "servo de Deus" e "Verbo da Verdade". Deus deu-lhe o poder de fazer milagres. Nega-se expressamente a crucifixão, tendo Jesus sido elevado miraculosamente para Deus.
Na literatura muçulmana, o amor e o respeito por Jesus são uma presença constante. Assim, Tarif Khalidi, que foi director do Centro de Estudos Islâmicos e membro do Conselho Directivo do King's College (Cambridge), reuniu em livro - Jesus Muçulmano - um conjunto das chamadas "máximas e histórias de Jesus", em que se encontram várias alusões aos Evangelhos.
Algumas máximas. Perguntaram a Jesus: "Quem foi o teu professor?" "Ninguém", respondeu ele; "vi a fealdade da ignorância e fugi dela". Disse Jesus: "Deus gosta que os Seus servos aprendam um ofício que os torne independentes e detesta um servo que adquira conhecimentos religiosos e depois faça disso o seu ofício." Também disse: "O mundo é uma ponte. Atravessa a ponte, mas não construas sobre ela." Conta-se que perguntaram a Jesus: "Até que idade é conveniente adquirir conhecimento?", e ele respondeu: "Enquanto for conveniente viver." Nenhuma palavra dita a Jesus lhe era tão querida como "aquele pobre homem." No dia em que Jesus foi elevado aos céus, deixou apenas um agasalho de lã, uma fisga e um par de sandálias.
As duas histórias. Uma vez, Jesus passou por uma caveira apodrecida e desfigurada. Ordenou-lhe que falasse. E ela disse: "Espírito de Deus, o meu nome é Bal- wan ibn Hafs, rei do Iémen. Vivi mil anos, gerei mil filhos, desflorei mil virgens, destrocei mil exércitos, matei mil tiranos e conquistei mil cidades. Que quem ouve a minha história não se deixe tentar pelo mundo, pois tudo isso foi como o sonho de um homem adormecido." E Jesus chorou.
A segunda história. Um homem juntou-se a Jesus, dizendo: "Quero ser teu companheiro." Jesus aceitou, e ambos seguiram viagem. Quando chegaram à margem de um rio, sentaram-se para comer. Levavam três pães. Comeram dois e sobrou um. Depois, Jesus foi ao rio beber água. No regresso, não tendo encontrado o terceiro pão, perguntou ao homem: "Quem tirou o pão?" Ele respondeu: "Não sei."
Continuaram a viagem, e, no caminho, Jesus realizou dois milagres. Das duas vezes voltou-se para o companheiro, dizendo: "Em nome d'Aquele que te mostrou este milagre, pergunto-te: quem tirou o pão?" E o homem voltou a responder: "Não sei."
Chegaram depois ao deserto e sentaram-se no chão. Jesus fez um montinho de terra e areia e disse-lhe: "Com a permissão de Deus, transforma-te em ouro." E assim aconteceu. Então, Jesus dividiu o ouro em três partes e disse: "Um terço para ti, um terço para mim e um terço para quem tirou o pão." Aí, o companheiro atirou: "Fui eu que tirei o pão!" Jesus disse: "O ouro é todo teu."
Jesus continuou sozinho o seu caminho. Entretanto, chegaram dois salteadores que queriam roubar o ouro ao antigo companheiro. Este, porém, disse: "Vamos dividi-lo em três partes e um de vós vai à cidade comprar comida." Um deles foi então à cidade e pensou de si para consigo: "Porque hei-de dividir o ouro com estes dois? Vou antes envenenar a comida e ficar com o ouro todo para mim!" E comprou comida, que envenenou.
Por sua vez, os que tinham ficado à espera disseram: "Porque havemos de dar-lhe um terço do ouro? Em vez disso, vamos é matá-lo, quando regressar, e dividimos o ouro entre os dois."
Quando o terceiro voltou, mataram-no. Depois, comeram a comida envenenada e também morreram os dois. E o ouro ficou no deserto com os três homens mortos ao lado. Aconteceu que Jesus passou por ali e, ao ver aquela miséria, disse aos discípulos: "Assim é o mundo. Tende cuidado."