O negócio ocupou tudo e esqueceu o ócio, no sentido grego das palavras, como explica o filósofo Gabriel Amengual. Ócio (no grego scholê, no latim otium), em princípio, significa estar livre dos negócios políticos ou do Estado e do governo e de actividades económicas, que, na Antiguidade, se definiam como o não-ócio, o negócio (a-scholía), e implica a orientação para o âmbito do pensar e da contemplação. "Ter ócio" significava festejar, ter alegria e a ocupação própria do tempo descansado - debates, concertos, teatro, etc. -, passando depois a significar o lugar dessas actividades (a escola, scholê). "Ócio significa tempo livre, possibilidade, oportunidade de algo." Neste quadro, o ócio era, para Platão, o pressuposto para a filosofia, em conexão com a liberdade e a verdade. Num contexto de escravatura, era, pois, privilégio dos homens livres. Para superar a tirania e a escravidão, não é, portanto, do ócio para a liberdade e a verdade que precisamos?
Aristóteles mostra a relação entre ócio e negócio ou trabalho: "Somos activos a fim de ter ócio", o que significa que o ócio é de algum modo fim em si mesmo. No início da Modernidade, este primado começou a ser ultrapassado, segundo a ideia de que o saber já não é contemplativo, mas tem como finalidade o domínio da natureza, a utilidade e o poder. Com a segunda revolução industrial, o ócio ficou em conexão com o tempo livre e chegou-se ao paradoxo da "indústria do ócio", de tal modo que tudo se transforma em negócio.
Entre as muitas características do homem, está a de homo faber. Karl Marx escreveu que "o homem se diferencia dos animais a partir do momento em que começa a produzir os seus meios de vida". Referindo-se aos "traços distintivos" estritamente biológicos, como o bipedismo, a estrutura das mãos, com a oposição do polegar, a visão em campos abertos, etc., Eudal Carbonell afirma que "são o substrato biológico sobre o qual se apoiam as aquisições culturais que já são plenamente humanas: a produção de ferramentas, o domínio do fogo, a linguagem duplamente articulada, a arte, a religião...". Mas o que "motiva o seu aparecimento" é "a selecção técnica. Desde o princípio, os humanos adaptam-se porque fabricam ferramentas."
Enquanto o animal se acomoda ao que a natureza dá, o homem, em ordem à satisfação das suas necessidades, transforma-a. O trabalho consiste neste intercâmbio entre o ser humano e a natureza: acolhe a natureza, transforma-a e, nesta transformação, não só recolhe o que precisa para as suas necessidades como se transforma a si próprio, humanizando-se, ao realizar possibilidades.
Na medida em que forma a pessoa e configura as relações sociais, o trabalho, para lá de meio de sobrevivência e realização do indivíduo, adquire o sentido amplo de serviço à sociedade, tanto no trabalho manual, industrial, como no trabalho intelectual, espiritual. Por isso, o desemprego não é só desastroso por pôr em causa os meios de vida, mas também porque fere a dignidade pessoal e marginaliza, impedindo a identidade própria no contributo para a realização da sociedade.
O trabalho vive na ambiguidade, como tudo o que é humano. Assim, pode ser sentido como espaço da liberdade e da auto-realização, mas também da alienação. Não é por acaso que há o trabalho, de tripalium, um instrumento de castigo, e a obra, de érgon, enquanto criação - diz-se de um artista que realizou uma obra.
O ócio, a festa e as férias estão vinculados ao trabalho. O homem é homo laborans, faber e homo festivus. A festa tem originariamente sentido religioso, implicando a suspensão do tempo vulgar; o seu é outro tempo: o tempo originário, sagrado, quando os deuses criaram e puseram a ordem do mundo. As férias, do latim feriae (dies festus), dizem também a interrupção, mas mais longa, das actividades laborais: o homem não é besta de carga.
Uma visão integral do ser humano significa vê-lo na harmonia das suas múltiplas dimensões: "A sua dimensão laboral e cultural-cultural, social e pessoal, activa e contemplativa, produtiva e artística, a dimensão do dever e a do desejo, a determinação e a liberdade", o ter e o ser.
(Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)
Li no DN