O Ângelo na guerra
Faleceu, hoje à tarde, o meu amigo Ângelo Ribau. Amigo desde
tenra idade e até ao fim dos seus dias. E mesmo para além deles, admito eu. Sinto a sua morte como se tratasse a de
um familiar muito próximo. O Ângelo também era um assíduo leitor e colaborador
dos meus blogues, cujas mensagens comentava e criticava com uma envolvência
rara, quer diretamente, quer por e-mail, quer, ainda, pelo telefone.
Estranhei há dias o seu silêncio. Como que adivinhando algo
de menos agradável, telefonei e o seu filho Miguel informou-me do internamento do Ângelo no
Hospital de Aveiro. Tinha já regressado a casa. Fui visitá-lo no domingo
seguinte e percebi claramente que o meu amigo não estava bem. Aguardava a hora
de uma intervenção cirúrgica, o que veio a acontecer dias depois. Fui informado
que tudo tinha corrido bem. Esperavam-se melhoras, mas aconteceu o pior. O Ângelo
já faleceu.
Quando um amigo próximo morre é um bocado de nós mesmos que
também morre. Assim o sinto nesta hora triste e, de algum modo, inesperada. Por
muito mal que esteja um amigo, sempre pensamos que em breve poderá ultrapassar
os obstáculos da vida. Mas desta vez o meu amigo não venceu.
O Ângelo, para além de marido, pai, sogro e avô exemplar, foi um homem da guerra colonial, que o marcou para
a vida. Tanto, que não resistiu a deixar-nos, em edição familiar e para amigos,
“Retalhos das memórias de um ex-combatente”, um livro cheio de vivências da guerra,
em Angola, nos anos 1962 a 1964, para onde fora destacado, já casado, deixando
em Portugal a esposa Lurdes «com um filho pela mão e outro em gestação», como
sublinha na dedicatória.
Neste momento, porém, permitam-me que refira quanto devo ao
Ângelo, pelas inúmeras visitas que me fez, aquando da minha doença pulmonar, na
juventude. Era visita diária ou quase diária. No inverno nunca faltava. Lia e
ajudou-me a ler os livros da biblioteca do seu avô materno e tios, Padre
Diamantino e Dr. Josué Ribau. Eram momentos de conversa, de troca de impressões, de opiniões sobre leituras feitas e a fazer. Só quem esteve ou está doente, sobretudo acamado, pode compreender a importância da visita dos amigos. Eu nunca esquecerei quem me visitou.
O meu amigo não voltará a comentar as mensagens dos meus
blogues, nem a telefonar-me para avançar com sugestões, nem a remeter-me
fotografias antigas nem imagens do pôr do sol que ele tão bem sabia registar. Muito menos os seus textos para publicação ou para meu deleite. Mas as suas histórias, as suas memórias e outros escritos continuarão connosco.
A sua amizade, leal e natural, permanecerá para sempre nas minhas boas
recordações.
Que Deus o receba no seu regaço de amor e de paz.
Fernando Martins