quinta-feira, 26 de julho de 2012

A história ampliou as suas mazelas e calou as suas grandezas






TESTEMUNHO QUE É APELO PERMANENTE A TODA A IGREJA

Por António Marcelino

O decreto conciliar sobre a Vida Religiosa está orientado no sentido da sua renovação. A Constituição sobre a Igreja dedicara já um capítulo aos religiosos, como parte privilegiada do Povo de Deus. Aí se insiste que a profissão dos conselhos evangélicos tem o valor de “um sinal que pode e deve atrair eficazmente todos os membros da Igreja a cumprirem com diligência os deveres da vocação cristã”. Neste sentido, se pode dizer que a vida consagrada é um dom de Deus à Igreja, que entra na sua estrutura, não pela via hierárquica ou institucional, mas carismática e profética. É, portanto, um dom divino que se traduz como resposta a necessidades do Povo de Deus ou da comunidade humana.

Os princípios gerais de renovação obrigam os institutos religiosos a regressar à fidelidade aos fundadores, ao seu património histórico e ao esforço necessário de adaptação às mudanças, sociais e culturais, que se verificam tanto na Igreja, como na sociedade. Daí a necessidade de aprofundarem o carisma fundacional, reverem e atualizar as Constituições na linha conciliar, se integrarem sempre mais na comunidade eclesial, porem ao serviço do Povo de Deus as capacidades e competências dos seus membros, prestarem atenção aos sinais dos tempos e às realidades sociais para melhor servirem, não esquecendo que tudo isto será possivel e válido, na medida da fidelidade permanente de todos os ao essencial da profissão religiosa.
Quem conhece a história da Igreja, tanto encontra a riqueza da vida religiosa, projetada como graça na vida dos cristãos e das comunidades, como encontra as limitações e até os desvios, que nela se foram introduzindo ao longo do tempo. Sem ir lá longe, ao tempo das lutas e das rivalidades, recordo dos inícios do tempo conciliar, factos e atitudes denunciadores, a pretexto de virtude e de fidelidade à própria regra, de um sentido negativo nas relações pessoais e institucionais. Recordo a recusa em participar em atividades intercongregacionais, a falta de relação e comunicação mútua, a reação negativa em relação ao clero diocesano, considerado ignorante da vida religiosa, o fechamento à vida das comunidades cristãs, resumindo muitos a sua ação apenas às obras dos seus institutos… O Concílio deu um estímulo muito forte à mudança e muito se conseguiu já.
Muitas expressões inovadoras se verificaram, sobretudo nos institutos femininos. Esta inovação continua, hoje mais refletida e assimilada, porque foram perdendo força as resistências de séculos e os institutos se foram afirmando libertos de tutelas e integrados em estruturas de comunhão.
O decreto sobre a vida consagrada é referido fundamentalmente aos religiosos, quando, ao tempo, estavam ainda pouco definidas outras formas de consagração. O decreto introduz um número sobre os institutos seculares, para logo voltar a falar apenas dos religiosos. O Código do Direito Canónico (1983) apresenta já a realidade eclesial de uma maneira distinta, ao falar da vida consagrada com membros religiosos (ordens e congregações) e leigos (institutos seculares e outras formas associativas). Fala das novas formas de consagração, recriadas no Concílio, como a vida eremítica de clérigos ou leigos e a Ordem das Virgens Consagradas, leigas que vivem a sua consagração, em ligação com o bispo, nas suas casas e profissões. Novidades que foram fazendo o seu caminho. É, pois, necessário que se retifique a linguagem, que, mesmo em pessoas responsáveis, nem sempre aparece clara.
O decreto fala ainda da organização dos Institutos, religiosos ou seculares, para maior entre ajuda e complementaridade, formação e projeção eclesial.
A vida consagrada, sobretudo em alguns institutos, ocupa, por vocação e missão, a linha de fronteira, pelo seu dinamismo profético e total disponibilidade para o Reino. Uma condição nem sempre bem entendida. Nos tempos que correm, parece ser preferível calar os profetas a compreender que a missão destes, quando vivida a sério, leva a correr riscos, mas, também, a abrir caminhos necessários.
Há muitos cristãos com uma visão menos correta da vida religiosa. A história ampliou as suas mazelas e calou as suas grandezas. O mesmo fez a literatura e o fazem alguns meios de comunicação social. Para algumas famílias cristãs, ainda é desgraça, senão mesmo tragédia, a decisão de uma filha que opta pelo convento. Com as pequenas comunidades, hoje mais espalhadas nas dioceses, e com a presença mais habitual das religiosas nas comunidades paroquiais e entre o povo, esta ideia vai-se corrigindo. Quem preside à comunidade cristã e tem o encargo da catequese às crianças e aos jovens e aos pais não pode deixar de manifestar amor e respeito pela vida consagrada e pelas diversas formas de consagração. Urge, num mundo que grita pelo uso da liberdade individual, saber apresentar a vocação à vida consagrada como dom de Deus e uma opção legítima e normal que é uma riqueza para a Igreja e para a sociedade.

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