quarta-feira, 13 de junho de 2012

A alegria do futebol

Por José Tolentino Mendonça



Em raros momentos simbólicos se sentem os países assim em uníssono, revendo-se completamente no esforço e no génio de uns poucos


“Às vezes o futebol é uma alegria que dói”. Sábado à noite não houve português que não sentisse na carne esta verdade que o escritor Eduardo Galeano assinou, mas esse é apenas um dos sentidos possíveis que a frase tem. O futebol ganhou, de facto, a função representativa que, em outros períodos da história, pertenceu, por exemplo, também ao teatro ou às artes, conseguindo, no estilhaçado panorama das nossas sociedades, convergências que se diriam improváveis. Tornou-se habitual o encontro de despedida da equipa com o presidente da República, numa espécie de investidura civil: eles são os nossos, eles somos nós. Em raros momentos simbólicos se sentem os países assim em uníssono, revendo-se completamente no esforço e no génio de uns poucos, galvanizados pelo seu sucesso ou solidários nas suas derrotas. Mas seria injusto reduzir a festa do futebol à matemática imediata dos resultados. Ele é “uma alegria que dói” por que é uma alegria verdadeira.

Para lá desse papel de polarizador das paixões (e das frustrações) sociais, o futebol vale por si. Ele dá a ver o jogo, a surpresa do movimento, a cartografia rápida do encontro e do contraste, o avanço, a finta ao obstáculo, a estratégia dos passes, a dança inteligente dos corpos, a leveza que pode ter a alegria. Dá a ver a relação criativa entre o indivíduo e o grupo, entre os talentos individuais e a mecânica do conjunto, instituindo práticas de cooperação onde a disciplina e o improviso frequentemente se aliam. Ele dá a ver a força e a vulnerabilidade, o cálculo e o risco, a solidão e o júbilo.

Nestes dias tem-se também falado da riqueza e dos estilos de vida de alguns profissionais do futebol. O que se diz sobre eles não pode ser senão o que se aplica a todos, em iguais circunstâncias. Lembrando que tão mau como a exibição exorbitada da riqueza é o sacrifício do escasso tempo que lhes resta à sociedade de consumo, vendendo carros, roupa ou bancos. Dá que pensar o que Galeano escreve: “ao fim e ao cabo, isso só prova que este mundo é tão absurdo que tem até escravos milionários”.



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