Reflexão de Georgino Rocha
O grupo dos amigos de Jesus está reunido. Conversa sobre as notícias que começam a espalhar-se: rumores do túmulo vazio, desaparecimento do cadáver, vozes de que estaria vivo, aparições a mulheres, sobretudo a Madalena, a Pedro, aos peregrinos de Emaús. Reina a confusão e o desconcerto, apesar dos relatos positivos feitos por alguns dos presentes. O descalabro do Calvário deixa-lhes marcas profundas. A visão pessimista sobrepõe-se ao horizonte de esperança que começa a raiar. O estado anímico e mental permanece duro e sem possibilidades de entender a novidade que desponta.
O Ressuscitado faz-lhes uma vez mais a surpresa de se apresentar no meio deles, de os saudar e desejar a paz. Coloca-se no centro e observa as suas reacções: de espanto e medo, de perturbação e dúvida, de ilusão enganosa, de confusão com algum fantasma. São reacções que acompanham os humanos em todos os tempos. Quem ignora as desfigurações de Jesus feitas ao longo da história? E quem, actualmente, não sente a tentação de “usar” a sua mensagem conforme as circunstâncias e conveniências? E quem não “treme” ao assumir o caminho que percorreu para nos salvar, apesar do desfecho feliz que teve por benevolência de Deus Pai?
Jesus encarrega-se de desfazer a conjectura e de lhes purificar a mente. Atesta a sua identidade. Recorre a sinais de reconhecimento: mãos e pés com cicatrizes das chagas, apelo à comprovação pelos sentidos, comida em sua companhia, releitura do passado à luz das Escrituras, revisão das atitudes de vida, nomeação para uma nova missão: ser suas testemunhas e, em seu nome, anunciar o Evangelho até aos confins da terra e dos tempos. A urgência sentida por Jesus mantêm-se actual. Os discípulos cristãos, por direito e dever baptismais reforçados por outros sacramentos e graças, estão chamados a reconfigurar o rosto de Cristo na autenticidade das suas vidas, na competência das suas profissões, na intervenção ética pública, na participação consciente na assembleia dominical (missa), nos serviços indispensáveis ao bom “funcionamento” da comunidade eclesial.
O realismo da narração visa um objectivo pedagógico e doutrinal. Tem algum suporte histórico, mas é sobretudo doutrinal, indicativo da caminhada na fé de quem se abre à acção do Senhor ressuscitado. Lucas, tendo em conta a comunidade a que se destina o seu Evangelho, recorre a várias fontes e elabora um texto cheio de imagens e de símbolos, acompanhados por frases de clarificação. Deixa-nos assim uma bela e interpelante mensagem: A ressurreição não afecta apenas a Jesus, mas envolve-nos a todos, totalmente, embora possamos demorar algum tempo a tomar consciência desta verdade admirável.