Texto de António Marcelino
«Não se concebe a Igreja a partir do Papa e dos Bispos, mas a partir de Cristo e do seu projeto, no qual a hierarquia é chamada a servir e não a ser servida.»
A compreensão da Igreja não parte da hierarquia, mas de um desígnio livre de Deus. A capacidade de entender passa pela porta de uma fé viva. A Constituição “Lumen Gentium” abre novos horizontes à eclesiologia com o capítulo essencial e primeiro: O Mistério de Deus. Que mistério é este? Hoje já revelado, a sua compreensão não parte do nada, mas de um acontecimento que na história foi ganhando forma. Um projeto que tem origem no amor e se vai realizar num Povo de crentes, que será também um Povo de irmãos e de irmãs. Povo sem fronteiras, sem raça nem cor, que nasce do dom que se faz amor onde todos cabem.
A Igreja não se define a si própria, nem aceita definições humanas, sempre restritivas, como aquela que vinha de séculos anteriores, urgida pela necessidade de dar resposta à reforma protestante e a afirmações diversas que reduziam a Igreja a uma pura dimensão espiritual. A Igreja tem um único centro de referência obrigatória: Jesus Cristo, enviado do Pai, luz dos povos, que quer iluminar a todos com a luz que resplandecerá no rosto da Igreja ao anunciar a Boa Nova da salvação a toda a criatura. Este anúncio é feito, já concretizado na história, como sinal e sacramento de salvação assumida e como instrumento de união e reconciliação dos homens com Deus e uns com os outros. A Igreja guardará sempre o tesouro de Cristo e da sua mensagem, de Cabeça de um novo corpo, e razão de ser de uma vida nova.
Comunidade visível, mas ao mesmo tempo espiritual, brota de um duplo elemento divino e humano, repete por analogia a encarnação do Verbo de Deus, cujo mistério pascal - Paixão, Morte e Ressurreição - a torna viva e atuante. no meio das perseguições e incompreensões do mundo. Nasce da Eucaristia que a faz também nascer e perpetuar, como fonte e ponto alto de toda a sua vida e da vida dos seus membros. Deste modo, a Igreja de Cristo, é uma realidade, una, santa, católica e apostólica, que ter sempre até ao fim dos tempos necessidade de conversão e de purificação, porque, no seu seio, sempre haverá pecadores, que somos nós, os seus membros. Com verdadeira clarividência se expurgou das características da Igreja o titulo de “romana”, pois que na sua vocação, como Igreja de Cristo, ela é universal e não prisioneira de um lugar ou de uma cultura ocidental. Assim se acabam os equívocos, Hoje só as confissões protestantes teimam no designativo de romana, por razões que precisam de repensar em tempos de diálogo ecuménico respeitoso.
A dimensão do mistério realiza-se num Povo de iguais na sua dignidade, na lei do amor que deve orientar, em permanência, o seu agir, e no objetivo pretendido pelo seu Fundador, que o pregou desde a primeira hora e por ele se empenhou até ao fim: a construção do Reino.
Diremos que, no que se torna visível e compreensível, a Igreja, Povo de Deus, esquecido e agora retomado das origens, é a grande aquisição conciliar que vai marcar toda a ação pastoral das comunidades cristãs e dos seus membros. Um conceito de sociedade perfeita teria sempre a hierarquia como elemento de referência, não assim de Povo de Deus, onde a hierarquia é elemento fundamental, mas não referencial. Não se concebe a Igreja a partir do Papa e dos Bispos, mas a partir de Cristo e do seu projeto, no qual a hierarquia é chamada a servir e não a ser servida. A leitura das viagens pastorais e missionárias dos Papas, com o dos bispos nas suas dioceses, só se entendem como serviço cuidadoso e pronto ao Povo de Deus. É este Povo que expressa a presença e a ação de Deus na cidade os homens.