terça-feira, 17 de abril de 2012

CRISE ACADÉMICA DE 1969

TEXTO DE MARIA DONZÍLIA ALMEIDA


O FERMENTO DO 25 DE ABRIL DE 1974

Quem viveu, na pele, cenas de grande intensidade, como esta, tem-nas bem gravadas, na memória. O dístico, Abril em Portugal, com traços oblíquos em losango, simulando uma janela de prisão, foi o cartaz turístico, com que os estudantes da velha academia, recebiam os turistas, após o dia 17 de Abril.
Há momentos que fazem a História. Entre 1965 e 1968 a Associação Académica de Coimbra foi liderada por uma Comissão Administrativa nomeada pelo Governo. Durante essa fase, os estudantes foram impedidos de participar no Senado e Assembleia da Universidade de Coimbra.
Após um abaixo-assinado, subscrito por 2500 estudantes pedindo eleições livres na AAC, realizaram-se novamente eleições, em Fevereiro de 69. Deste acto eleitoral saiu vencedora a lista do Conselho das Repúblicas, com 75% dos votos.
Um mês mais tarde a DG/AAC é convidada para a cerimónia de inauguração do edifício das Matemáticas, que fica em frente à faculdade de Medicina.

A pretensão de intervir na cerimónia, foi comunicada ao Reitor de então e foi liminarmente recusada, já que “O Reitor, que iria discursar, já representava a Universidade” e a intenção dos estudantes falarem prejudicaria as “prescrições protocolares”.
Na manhã de 17 de Abril de 1969, em frente ao Edifício das Matemáticas, milhares de estudantes mostravam palavras de ordem: “Ensino para todos”, “Estudantes no Governo da Universidade”, “Exigimos diálogo”.
No interior do Edifício, Alberto Martins, Presidente da DG/AAC pede a palavra ao Presidente da República, Américo Tomás “Sua Ex.ª, Senhor Presidente da República, dá-me licença que use da palavra nesta cerimónia em nome dos estudantes da Universidade de Coimbra?” A palavra foi-lhe negada e a cerimónia terminada abruptamente.
Nessa mesma noite, Alberto Martins é detido à porta da Associação Académica de Coimbra. Centenas de estudantes são nessa noite alvo de uma carga policial à frente da PIDE, para onde se haviam mobilizado em solidariedade para com Alberto Martins. Vários episódios de luta, unidade e solidariedade se seguiram por parte dos estudantes da Universidade de Coimbra. O Governo respondia com mais censura, opressão e perseguição aos desalinhados do regime.
Neste dia, se calhar como nunca no passado, a Academia de Coimbra soube dizer não perante um regime e uma sociedade injusta e desigual. Talvez aqui, tenha sido o rastilho para o fim do regime.
Em resposta a todo este clima, a Academia reúne em Assembleia Magna, no ginásio da AAC com a presença de milhares de estudantes e dos professores Orlando de Carvalho e Paulo Quintela, um dos meus professores e um vulto das Letras. Assim, é decretado o luto académico sob a forma de greve às aulas, transformadas em debate sobre os problemas dos departamentos e das Faculdades da Universidade de Coimbra, bem como do País.
No dia 30 de Abril, numa comunicação televisiva, o Ministro da Educação Nacional, José Hermano Saraiva, acusava os estudantes de desrespeito, insultos ao Chefe de Estado e do crime de sediação. Conclui, a dizer “que a ordem será restabelecida em Coimbra”.
Neste contexto, cerca de 4000 estudantes marcaram presença na Assembleia Magna que se realizou no Pátio dos Gerais, no dia 1 de Maio, repudiando juntamente com o corpo docente, as afirmações do Ministro da Educação Nacional e reafirmando a convicção na construção de uma Universidade nova.
De seguida, por despacho de José Hermano Saraiva, verificava-se o encerramento antecipado da UC até ao início dos exames. Deste modo, a Assembleia de Estudantes Grelados deliberava cancelar a Queima das Fitas num acto de solidariedade para com a Academia e dirigentes associativos suspensos. “Jamais aceitaremos que a alegria se confunda com a irresponsabilidade...”, dizia o comunicado.
No dia 28 de Maio, na maior Assembleia Magna da história da Academia com a presença de cerca de 6 mil estudantes, é decretada a abstenção aos exames. No início da época de exames, dia 2 de Junho, Coimbra acorda sitiada. Destacamentos da GNR, PSP e da Polícia de choque ocupam a Universidade. Era um cenário bélico, fantasmagórico! Conta-se, até, a título humorístico que um GNR a cavalo, ao ser inquirido por um turista sobre o que se estava a passar, na cidade com todo aquele aparato, respondera:_Estamos a fazer um filme de guerra!
No mês de Julho, o Governo alterava a lei de adiamento da incorporação militar de modo a fazer depender da prorrogativa “o bom comportamento escolar” do estudante. Ao abrir da nova legislação, meia centena de estudantes eram chamados ao serviço militar.
A crise académica de Coimbra tinha conduzido a uma remodelação política no sector educativo do governo. O Ministro da Educação Nacional é demitido e substituído por Veiga Simão. Na Universidade de Coimbra, Gouveia Monteiro é o escolhido do novo ministro para o cargo de Reitor, numa tentativa de pacificação da situação académica. Deste modo, abria-se o caminho às reformas e democratização das estruturas universitárias que, cinco anos mais tarde, o 25 de Abril de 1974 viria consagrar.
Desde esse dia que não houve aulas na faculdade, pelo que o tempo era passado em parte, no reconhecimento da urbe académica e em outras atividades culturais e de prática das línguas estrangeiras. As assembleias gerais eram diárias, não se podia criar a falsa ilusão de que não havia nada para fazer! Reivindicar os nossos direitos e discutir as nossas ideias era tarefa prioritária. O Alberto Martins lá estava para liderar os debates e assinar os comunicados que todos os dias saíam. Só tive uma cadeira de exame, que fiz em Outubro, pelo que não precisei de furar a greve, nem ir escoltada para a sala de exame. Era o meu 1º ano na faculdade e foi tão intenso!

17.04.2012

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