UM TEXTO DE JOÃO AGUIAR CAMPOS
Nos últimos dias, a nossa atenção foi convocada para a figura de dois ilustres membros do episcopado português: primeiro, num olhar de saudade, para D.Manuel Falcão, que Deus chamou a si; agora, para D.Eurico Dias Nogueira, que a arquidiocese de Braga homenageou, no seu aniversário natalício.
Ao senhor D. Manuel referiu-se, neste espaço, há uma semana, o Paulo Rocha. As minhas palavras de hoje cinjo-as, por isso, ao arcebispo emérito de Braga. Ao homenageá-lo, a arquidiocese cumpriu o dever de agradecer o serviço prestado-- pois que a esta igreja particular dedicou mente, coração, energia, paciência e sofrimentos.
Outros, com mais autoridade, podem referir-se à vida episcopal de D. Eurico Dias Nogueira como "um verdadeiro serviço de amor". Eu dou, apenas, o meu testemunho pessoal sobre quem foi, indubitavelmente, "pai, irmão e amigo".
Começo por uma declaração de interesses: vivi os momentos mais determinantes dos meus quase 38 anos de sacerdócio sob a orientação de D. Eurico Dias Nogueira. Dele recebi as principais missões e as orientações e conselhos para as levar a cabo. Com ele partilhei alegrias e dúvidas, em diálogos plurais, sempre tão exigentes como compreensivos. Posso, pois, dizer que o considero marcante na minha vida e lhe dedico uma filial estima. Entendo, no entanto, que tal não me retira a objetividade no que poderia afirmar das suas lições de vida.
Porque o espaço me condiciona, sublinho o ensinamento que, paradoxalmente, mais me marcou: o modo como tem vivido após deixar o paço e o governo ativo da arquidiocese.
Realmente, poderia D. Eurico Dias Nogueira ter-se pura e simplesmente retirado, para um merecido repouso no conforto da família e dos muitos amigos. Ou poderia ter-se dedicado a uma espécie de vida de comentador eclesial, nas fronteiras entre um hipócrita desprendimento e aquilo a que a minha veia irónica chama a magistratura da intromissão...
Mas não. O senhor D. Eurico entregou-se, generosa e discretamente, às tarefas que lhe foram solicitadas na vida diocesana, com a humildade de quem põe à disposição de outrem as suas muitas competências. Com uma serenidade exemplar e uma modelar silêncio. Sem comentários, juízos ou comparações, provocados ou consentidos.
O homem da escrita fácil e cuidada; das homilias estendidas no papel e distribuídas por pontos, numa espiral do pensamento; o homem do pormenor anotado numa agenda minúscula e da voz que precisava de aquecer para se erguer, soube sentar-se num escritório humilde e dele fazer a sua cátedra.
Tem um mês a nossa última conversa. Foi um percurso de memórias que ouvi desfilar frescas e desprendidas; embrulhadas na paulina disponibilidade de quem sabe ter combatido o bom combate e olha para além do tempo.
Em ambiente de Quaresma, esta homenagem pode ser um pretexto de meditação acerca dos nossos modos de ser e de estar. Tendo como referência este bispo a quem um amigo comum recentemente se referia assim:" D. Eurico é um senhor!"
Esta é, por isso, a homenagem a um senhor.
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