Uma reflexão de Georgino Rocha
Que declaração tão ousada! Que certeza tão firme! Que proximidade tão terna e familiar! Que afirmação tão provocante! Estas exclamações podem traduzir expressões da atitude de Jesus em relação ao paralítico em Cafarnaum. O episódio ocorre em casa aonde regressa o curador do leproso, após ter passado o tempo da descontaminação. Aí acorre tanta gente que barra a porta de entrada. Aí estão sentados rabinos e escribas, mestres em “fabricar” leis e a interpretá-las em nome de Deus. Aí chegam os amigos do paralítico, transportando-o numa enxerga. Aí acontece um diálogo em que o desafio e a resposta põem a claro a novidade de Deus que Jesus anuncia e realiza.
O Nazareno está a blasfemar – dizem. “Só Deus pode perdoar os pecados”. E segundo as leis religiosas era e continua a ser verdade. Mas Jesus, incomodado com os “murmúrio” do coração deles e condoído com a situação do paralítico, questiona-os abertamente: “Porque pensais assim nos vossos corações”?
Esta interrogação tem valor universal e é dirigida a todos os que estão instalados num cristianismo cómodo e rotineiro, sem descobrir e apreciar a novidade do Deus de Jesus Cristo, o único que perdoa pecados, desde que o deixemos actuar. Se não formos sensíveis ao seu amor misericordioso, se não lhe abrirmos a porta do coração, se não consentirmos na sua acção sanadora, Ele não força porque respeita totalmente a nossa liberdade, a nossa responsabilidade.
O Deus figurado pelos rabinos fazia depender o perdão dos méritos humanos, dos sacrifícios de animais, do cumprimento das penitências prescritas, dos ritos de purificação, da ida ao templo, da reparação das injustiças, da intervenção divina que há-de destruir toda a malvadez humana.
O Deus revelado por Jesus é aquele que se espelha no seu agir: valoriza a solidariedade, acolhe, intui o que vai no coração, descobre e aprecia a fé, condói-se com as situações sofridas, vence distâncias, aproxima-se, mergulha na raiz do mal e age eficazmente. Oferece um perdão gratuito, incondicional, que renova o ser humano todo e cada uma das suas realidades. E a prova desta regeneração integral está dada no que diz ao paralítico: levanta-te, firma os teus pés, recolhe a enxerga em que jazias e vai, de rosto erguido e de coração sereno, pelos caminhos da vida. Estás liberto! És livre. Acredita na liberdade, fruto do perdão incondicional e prenda de quem ousa confiar na misericórdia de Deus.
Jesus apresenta-nos um Deus “sem máscaras” e quer que o seu rosto autêntico brilhe em todo a parte. Nele, como num espelho, o homem reencontrará a sua verdadeira grandeza e dignidade. E reapreciará o perdão dos pecados, não como confissão aviltante, mas como dom que reabilita, cura a ferida e enaltece tudo o que é verdadeiramente humano. Felizes os que podem fazer esta experiência encorajante!