quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Da decisão de um concílio ao início dos trabalhos conciliares

Um texto de António Marcelino





Logo após o anúncio da decisão de convocar um concílio ecuménico (25-01-1959), João XXIII, através do seu primeiro colaborador, o Cardeal Tardini, Secretário de Estado, deu, de imediato, início aos trabalhos de preparação. Via-se que o Papa tinha urgência que assim fosse. Assim lho recomendava a importância do acontecimento e, também, a sua idade, então já com 77 anos. Lembremo-nos que o Papa veio a falecer em 3 de junho de 1963, sem completar cinco anos após a sua eleição. Por outro lado, quaisquer demoras, para além das justificadas, em nada iriam beneficiar a reação, generalizadamente positiva, com que a Igreja acolhera a notícia do futuro concílio.

Tardini enviou, pouco tempo depois, uma carta aos bispos de todo o mundo, aos superiores das ordens e congregações religiosas, às universidades da Igreja e às faculdades de Teologia, pedindo-lhes, por mandato do Papa, que apresentassem, livremente, temas de interesse eclesial a serem considerados e tratados no Concílio. Estava já constituída a Secretaria Geral, a que presidia o arcebispo Paricles Felici, encarregada de receber, inventariar e classificar todas as respostas, confiando-as, depois, às comissões preparatórias. Integravam estas comissões mais de 800 membros efetivos e consultores. 77% das entidades consultadas responderam, e, de Portugal, as respostas atingiram os 88%. Todo este precioso material está publicado e pode consultar-se onde existirem os vários volumes que o comportam.
Esta decisão de consultar a Igreja, pelos seus responsáveis, sobre os temas e problemas que a preocupavam, era novidade. Marca-se, desde então, uma pedagogia sinodal, sempre mais alargada ao povo de Deus, que não pode mais deixar de se ter presente, em todos os processos, que ao mesmo digam respeito.
No verão de 1962, já pôde ser enviado aos Padres conciliares o primeiro volume com os temas a serem discutidos no concílio e que eram apresentados por esta ordem: as Fontes da Revelação; a guarda fiel do Depósito da Fé; a ordem moral cristã; a castidade, o matrimónio, a família e a virgindade; a Sagrada Liturgia; os meios de comunicação social. O elenco mostra por onde andavam as preocupações dos Pastores e abre-nos ao caminho feito depois pela Igreja no concílio e após este, fruto das suas alargadas e concretas orientações. Se aparecem, neste primeiro elenco, aspetos fundamentais da vida da Igreja, como as Fontes da Revelação e a Liturgia, a sensibilidade geral vai para os temas de ordem moral, pois que a estes se reduziam, praticamente, as exigências do itinerário cristão, de cariz e orientação clerical.
Outros volumes se seguiram, indicando um total de setenta esquemas.
Muitos deles nunca foram discutidos nas sessões conciliares, ou porque o tempo não o permitiu, ou porque foram integrados noutros temas mais abrangentes. Alguns bispos pensavam que o Concílio se resolvia em dois meses, e verificou-se neles uma certa desilusão, quando viram que, terminada a primeira sessão em 8 de dezembro de 1962, não se tinha nem sequer ainda aprovado o primeiro tema posto à discussão.
O trabalho sinodal, de que não havia experiência na Igreja, é sempre moroso para que possa ser sério e conclusivo. O concílio seria, também, para os bispos e para a Igreja, em geral, um tempo de aprendizagem, onde o lugar dado a todos, é sempre mais tempo útil de renovação, do que aquele que é tomado apenas por alguns, como se, só a eles, o Espírito Santo iluminasse e desse a palavra.
São curiosos os dados da participação nos últimos três concílios ecuménicos. Em Trento reuniram-se 258 bispos e no Vaticano I750, na sua maioria europeus. No Vaticano II, 2560 bispos, assim divididos: mil das Américas, dos quais metade da América Latina; 1000 europeus, dos quais 379 italianos; 300 da África Negra; 300 da Ásia, sendo alguns da Oceânia e do mundo árabe. Dos 150 bispos dos países soviéticos, à maioria não lhes foi permitido sair e participar. Um dado curioso é ainda este: das Igrejas cristãs não-católicas, estiveram no início 31 convidados, mas, no fim do Concilio eram já 93, de 29 Igrejas. Os peritos convidados no princípio eram 201, mas o número foi crescendo e, no fim, já eram 480, dos quais 42 leigos. É bom recordar o sentido destes números, sempre elucidativos, para além das explicações óbvias, mormente em relação aos concílios anteriores.

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