domingo, 22 de janeiro de 2012

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 274


PITADAS DE SAL – 4 



O NEGÓCIO ESTAVA FEITO 

Caríssima/o: 

«O dia já clareava francamente. A carreira das sete já tinha passado por eles há algum tempo. Tivessem uns tostões e esta caminhada poderia ser evitada, mas a carreira era para os ricos, não para gente como eles. 
O pai não lhe tinha dito ao que vinham. Para ele era igual. Antes ali que andar a roçar mato para o ti Antunes, esse velho forreta que nem broa dava que chegasse para a cova de um dente. 
Já tinha vindo a Aveiro uma vez. Foi numa ocasião, por alturas de uma feira, há três ou quatro anos. Tinha andado a apanhar batatas novas para um homem lá da terra e este, à noite, trouxe-os de camionete para ver a feira. E ainda pagou umas farturas e umas garrafas de vinho verde. Foi o que se chama uma noitada! Nos carrosséis não andou, que não tinha dinheiro, mas nunca tinha visto tanta luz, tanta gente e tanta coisa bonita como naquele dia. Até viu as motas do Poço da Morte e o Comboio Fantasma. De arrepios!! 
Mas hoje não sabia ao que vinha. Só ontem o pai lhe tinha dito “amanhã cedo, vens comigo a Aveiro”. E mais não disse. E teria sido escusado perguntar-lhe mais qualquer coisa. O recado estava dado. 
Entraram pela estrada de Ílhavo, desceram a Rua de S. Sebastião, a Rua Direita, passaram as Pontes e pararam no largo onde faziam a feira das cebolas. Não foram dos primeiros a chegar. Frente ao fontanário, homens, algumas mulheres e sobretudo muitos rapazes, mais ou menos da sua idade, faziam grupos e discutiam animadamente. 
O pai ordenara-lhe que se encostasse à fonte e não saísse dali. Ele iria falar com umas pessoas e já voltava. 
Dali podia observar um pouco o que se passava no largo. Admirou-se uma vez mais por ver muita malta da sua idade. Mas nem todos pareciam estar ali com a mesma disposição que a sua, curiosos e expectantes. Um ou outro choramingava; alguns, sentados no muro da ria, olhavam à volta parecendo já saber ao que vinham e para onde iam ou vagueavam pelo largo parando aqui e ali, escutando conversas ou dando palpites; outros ainda, entretinham-se com brincadeiras próprias da idade: empurrões e caneladas eram coisas que não faltavam. 
Viu o seu pai em vários grupos. De vez em quando um ou dois homens voltavam-se para ele e olhavam-no de alto a baixo. 
De repente, deu-lhe um baque no coração e sentiu um aperto, assim uma aflição que até parecia que o coração se sumira sabe-se lá para aonde! Já sabia ao que vinham: era a Feira dos Moços, 19 de Março, dia de S. José. O dia em que os donos das marinhas ou os arrendatários contratavam os rapazes para a safra do sal! Agora é que se lembrava das discussões lá em casa do pai com o irmão mais velho, do dia em que o irmão bateu com a porta e disse que “para o sal nunca ...nem morto”. Por isso é que alguns choramingavam no largo. Por isso é que o pai não lhe dissera nada. 
O coração apertava-se mais: ia ser alugado durante seis meses, dia e noite, todos os dias, sábados e domingos, da alvorada ao anoitecer, fizesse sol, chuva, vento, o que fosse! Estava tramado! Já se imaginava a suar em bica, descalço, perna ao léu, tisnado e rechinado do sal e do sol, em calções, pescoço retesado com vinte quilos de sal à cabeça, em correria até ao monte do sal ou à barriga de um barco salineiro. Bolas! Que sorte! 
O pai e dois desses homens dirigiram-se-lhe. 
 Podem ver que já tem 15 anos feitos agora em Janeiro pelo S. Sebastião. Não é verdade rapaz?-perguntava o pai. 
 É sim senhor! 
– Mostra lá a perna! –atirou-lhe um deles. 
– Arregaça lá a calça! –mandou o pai. Levantou as calças até ao joelho. 
– Hum!! – disse o homem. – P’ra isto é preciso boa perna…Tem que servir, não há mais escolha! É de bô mando ou é madraço? 
– Home, quando não for a bem, carregue-lhe! 
– Pronto! Mande-o cá além de amanhã, que é para começarmos quanto antes. 
– Cá estará, fique descansado – disse-lhe o pai estendendo a mão para a despedida. 
– Mas eu… 
– Bico calado! – atalhou o pai. 
Estava-lhe traçado o destino dos próximos seis meses, quem sabe dos próximos anos. Agora, lá no lugar onde viviam, quando fizesse uma asneira, ou dissesse uma patacoada haveriam de dizer com ar de escárnio “és tão burro como os que andam ao sal!”. 
O regresso a casa foi em silêncio. “Quem feirou, feirou!” diria a ti Mónica. 
O negócio estava feito.» 

Extraído de “Memórias de Aveiro”, de Maria João Pinho e Silva Caseiro 

Manuel

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