sábado, 10 de dezembro de 2011

A fé pode oferecer um horizonte luminoso às novas gerações



Experiência partilhada, 
de dor e de esperança
António Marcelino



Cheguei a Madrid na manhã de segunda-feira, 21 de Novembro. Na véspera decorreram as eleições em Espanha. Ia participar na Assembleia Plenária dos bispos e, desde Lisboa, levava já comigo os jornais da manhã que diziam dos resultados. No destino, não vi nem euforias, nem ares de preocupação. Tudo parecia caminhar com normalidade. Na imprensa, porém, a avalanche, com números, leituras e comentários, previsões e esperanças, medos e encorajamentos. 
Entrei na sala dos trabalhos e o presidente da Conferência Episcopal lia, no momento, o seu discurso de abertura, concluindo assim: “A nossa Assembleia coincide com o começo de um novo período político… Como Pastores desejamos aos que foram eleitos para governar, em tempos tão difíceis, acerto, serenidade e espírito de serviço, na sua nobre e decisiva tarefa”. E recordou, a terminar, as palavras de Bento XVI ao chegar ao país, para a sua visita pastoral, no mês de Agosto: “A fé é um grande tesouro de que, certamente, vale a pena cuidar com uma atitude construtiva para o bem comum de hoje e para oferecer um horizonte luminoso ao futuro das novas gerações.
Ainda que haja actualmente motivos de preocupação, mais é o afã de superação dos espanhóis, com esse dinamismo que os caracteriza e para o qual tanto contribuem as suas profundas raízes cristãs, muito fecundas ao longo dos séculos”. E recordou que, na despedida, o Papa deixou esta mensagem: “Espanha é uma grande nação que numa convivência sã e aberta, plural e respeitosa, sabe e pode progredir sem renunciar à sua alma profundamente religiosa e católica”.
Nos três dias em que participei nos trabalhos tomei consciência, com factos à vista, de que a destruição operada em Portugal nos últimos anos pelo governo socialista o fora, ao mesmo tempo, em Espanha, com as crises graves provocadas impunemente, e legadas ao país, com o seu ónus próprio e doloroso. Crise na economia, na família, na educação, na justiça. Depois, a corrupção, o crescimento das tensões sociais, a degradação dos costumes, a subversão dos valores, o proteccionismo e compadrio, as manifestações de um poder despótico, exercido à revelia das instituições e exigências democráticas… E pude ver, ainda, que, tal como em Portugal, o povo manifestara, por voto livre, a sua esperança de que os actuais governantes possam dar um rumo novo ao país, para que este seja terra de todos e não apenas de alguns privilegiados.
Li jornais de todos os quadrantes. A mesma esperança, mas já salpicada de avisos e de alguns remoques, dando algum lugar a críticas do governo anterior e do seu partido, sem que mostrasse um assumir público de culpas ou de vontade de ajudar a encontrar, solidariamente, resposta para os problemas que provocou e a crise grave que deixou em aberto e que os eleitores denunciaram e castigaram. Foi então que pude ver, de modo claro, que, lá como cá, mais atenção mereceram e merecem os interesses de grupos, as ideologias classificadas, o esquecer da culpa dos publicamente vencidos, as exigências dos extremismos, do que a voz livre do povo, as políticas de verdade e de transparência, o bem comum como orientação indiscutível, a tarefa urgente de reconstrução com a colaboração clara de todos, de uma “casa” em escombros.
O difícil caminho da esperança, porém, não se pode abandonar, como não se pode iludir a realidade que a crise pôs a descoberto. Tarefa difícil para quem governa, quando os direitos gritam e os deveres se calam. Quando as clivagens sociais são alimentadas por interesses, económicos e partidários, a colaboração prometida e necessária é pejada de condições, a memória depressa afectada por esquecimentos e pela lavagem do que não interessa saber ou recordar.
Ninguém pode alhear-se, nem os governos, nem os cidadãos, nem as forças sociais, de que se procurem as melhores soluções, que nem sempre são tão claras como proclamam os que estão de fora das decisões. Mas quem tem de as tomar, também não se pode alhear das prioridades, nas quais as pessoas terão sempre o primeiro lugar, aceitando, também elas, segundo as capacidades próprias, a sua parte nas dificuldades inevitáveis.
Espanha e Portugal caminham no mesmo mar tumultuoso, agravado pelos vendavais de uma Europa sem rumo certo. Por isso, se existiu uma parceria de ideias nos projectos que tanto destruíram, que ela não falte agora numa partilha concreta, não apenas da dor, mas também da esperança. Os responsáveis da Igreja de um e de outro país, já mostraram que querem, a bem do povo, rumar neste sentido.

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