Estará hoje
a democracia em perigo?
a democracia em perigo?
António Marcelino
Ouvem-se por aí expressões e tomam-se atitudes que parecem denunciar esse receio. Porém, o que vemos, de modo muito claro, é que o tempo dos ditadores e dos poderes absolutos está a terminar, e os que teimam permanecer em tronos de ouro, como senhores únicos do saber e da verdade, sonegando milhões ao povo e gerando, à sua volta, a sabujice e o vazio, têm, a curto prazo, os seus dias contados.
O regresso às ditaduras, a não ser por caminhos tortuosos e indignos, como ainda acontece à revelia do tempo, não parece ser, hoje, caminho a temer em estados democráticos. Porém, está latente um certo adormecimento democrático pelo desinteresse generalizado pela política, pela ânsia de poder e as lutas partidárias, pela recusa em servir, por parte dos mais competentes e preparados, por uma anestesia provocada que leva o povo a pensar apenas na satisfação de direitos e reage, por vezes violentamente, ao cumprimento dos seus deveres normais e à colaboração inevitável nas crises emergentes.
Esta reacção inadmissível do povo, no seu conjunto, é fruto não apenas do seu modo, para quem mais agradam os benefícios sem trabalhos do que os trabalhos necessários, nem sempre com os benefícios ao abrir da torneira. Mas é fruto, também, da ideia errada que se enraizou, por ideias e promessas partidárias, de quem nunca entendeu que o Estado não é quem tudo manda, nem quem tudo deve fazer. O Estado-providência é fruto de uma má compreensão da democracia e do papel dos cidadãos e das instituições civis, da ânsia de poder e domínio absoluto, e da submissão dos cidadãos a um poder partidário, que mais deseja ser dominar que servir. Mas isto é precisamente a negação da democracia, a qual, como dizia Churchill, se não é um regime perfeito, é o menos mau de todos os regimes políticos. Os partidos políticos, em geral, sofrem de um défice do agir democrático, porque pensam que só prometendo sem limites podem ganhar eleições e permanecer longo tempo no poder.
Esta reacção inadmissível do povo, no seu conjunto, é fruto não apenas do seu modo, para quem mais agradam os benefícios sem trabalhos do que os trabalhos necessários, nem sempre com os benefícios ao abrir da torneira. Mas é fruto, também, da ideia errada que se enraizou, por ideias e promessas partidárias, de quem nunca entendeu que o Estado não é quem tudo manda, nem quem tudo deve fazer. O Estado-providência é fruto de uma má compreensão da democracia e do papel dos cidadãos e das instituições civis, da ânsia de poder e domínio absoluto, e da submissão dos cidadãos a um poder partidário, que mais deseja ser dominar que servir. Mas isto é precisamente a negação da democracia, a qual, como dizia Churchill, se não é um regime perfeito, é o menos mau de todos os regimes políticos. Os partidos políticos, em geral, sofrem de um défice do agir democrático, porque pensam que só prometendo sem limites podem ganhar eleições e permanecer longo tempo no poder.
Não há democracia sem acção política que a entenda, a implemente e defenda e dela se sirva, como meio normal de participação e de serviço de todos à comunidade. Pela mesma razão, não há participação democrática sem valores a nortear a acção diária. A democracia constrói-se todos os dias, tem exigências que não se podem desvirtuar. Ninguém se pode considerar democrata só para aquilo que lhe interessa, por exemplo, o direito de votar, ou que lhe parece bem, por exemplo, a satisfação dos seus interesses individuais ou de grupo.
Tempos recentes foram marcados pela ânsia de poder absoluto, de algum modo politicamente irresponsável e exercido nas costas do povo. Por isso mesmo, vieram ao de cima as fraquezas de uma democracia não respeitada: um povo azedo, revoltado e meio cego, a retórica partidária de quem fala do povo e diz sempre que é em seu nome, a manifestação pública de muitas mazelas sociais, deliberadamente escondidas e desconhecidas do país, o flagelo da corrupção, do proteccionismo escandaloso.
Embora em ambiente ressentido e desconfiado, é preciso falar e agir, em relação à política e aos políticos, da urgência de uma passagem do desprestígio à dignificação, como já se fala noutros países que passaram e estão passando pelos mesmos transes.
A ameaça maior à democracia, na minha opinião, está no relativismo ético que se veio propugnando a pretexto de direitos e liberdades e à base do qual se legislou e em que se caiu. Pessoas e instituições basilares foram subalternizadas, as maiorias partidárias assumidas como poder absoluto, a memória foi apagada e a procura de acertar o tom da conveniência com a desafinação europeia, de cores conhecidas, a regra a respeitar.
Está em perigo a democracia? Se, apesar das suas limitações, não for tomada a sério, pode estar em perigo. Mas a sua defesa não será garantida por revoluções militares, nem por salvadores pessoais. Tem de se voltar ao povo concreto, ao serviço que lhe é devido, à sua educação para tempos novos, à seriedade da solidariedade, ao respeito pelo bem comum, ao reconhecimento do princípio da subsidiariedade. No fundo, ao respeito incondicional pela pessoa e ao reconhecimento das suas capacidades sociais.