Francisco
Maria Donzília Almeida
Pela proximidade e comodidade de abastecimento, costumo deslocar-me à cidade vizinha, para fazer as minhas compras da semana: legumes, fruta, peixe e carne. Nesse sábado, após algumas aquisições, pão, queijo, etc, abeirei-me duma jovem vendedora, para uma compra de maior vulto. Por isso, pedi que ma transportassem ao carro, ali próximo, no estacionamento. A menina, que rondaria os seus catorze/quinze anitos, pega no telemóvel e informa que vai chamar o seu irmão, para desempenhar o papel de moço de recados, recoveiro, dos tempos antigos.
Para meu grande espanto, vejo aproximar-se um miúdo franzino, de cabelo louro caído em anéis sobre o rosto, rebelde, onde se adivinha uma força endiabrada, pelos movimentos de agitação que lhe comandam os membros. Já o tinha visto noutras circunstâncias, quando a mãe referia que o rapaz nunca parava, sempre na brincadeira, naquele espaço do mercado. Ali, pude observá-lo bem, a destreza com que pegou no saco de batatas, quase sozinho, a prontidão com que acedeu ao pedido de colaboração, enfim, aquele pigmeu feito herói! Toda a família trabalhava ali, cada um no seu ponto estratégico, mas o Francisco era o pião das nicas! Estava sempre pronto para o que fosse preciso, apesar da sua figura franzina, mas determinada! No percurso para o carro, enquanto ele conduzia o carrinho de ferro, entabulei conversa com o pimpolho. Inteirei-me da sua frequência escolar, no 5.º ano, numa escola de Vagos, do seu aproveitamento, enfim, ambos degustámos um saboroso naco de conversa. Depreendi, depois confirmado pela mãe, que era um pouco distraído, brincalhão... nada que um aluno que se preza, nos dias de hoje, não possa ser! Enquanto conversava, ia observando aquela cara de feijão miúdo, com o cabelo pelo ombro a dançar-lhe, ao ritmo dos seus movimentos. A marcar presença e bem assertoado na orelha, lá estava o brinquinho, minúsculo mas visível no piercing, que o Francisco evidenciava, como gente grande. Era a marca da sua personalidade, bem vincada, mas já com alicerces de um grande homem! Depois de descarregar a mercadoria, agradeceu efusivamente a compra que eu fizera à empresa familiar e... lá partiu para um novo frete, decerto. Até o nome me cativara, saturada que estou de nomes melosos, completamente alheios à nossa cultura e que nada significam, para além dum amontoado de sílabas.
E, como uma mãe embevecida, perante a desenvoltura do seu rebento, ocorre-me à memória, a expressão típica das Gafanhas: — ”Apetece-me roê-lo!” A Expressão caiu em desuso, completamente e hoje já nenhuma mãe moderna diz isto a uma criança. O verbo “roer” foi substituído por outro menos agressivo (!?), “comer”, que estaria, perfeitamente, enquadrado no contexto, não fosse ele atribuído à escória da humanidade... a pedofilia!
06.12.2011