Júlio Franco com um doente a caminho da fisioterapia
Os voluntários têm muito para dar
e muito para receber dos doentes
Fernando Martins
«Os voluntários estão no Hospital de Cuidados Continuados de Ílhavo (HCCI) não para desabafar os seus problemas, mas para ouvir os problemas dos doentes, tentando ajudá-los.» Esta afirmação, com que Carlos Duarte, mesário da Santa Casa e responsável pelo voluntariado, sintetiza a ação dos voluntários na Unidade dos Cuidados Continuados, revela a atenção que há na seleção de quem se dispõe a colaborar, no apoio aos que procuram restabelecer-se para retomar a vida normal, dentro do possível.
A ideia do voluntariado nesta unidade nasceu ainda antes da tomada de posse da nova Mesa da Santa Casa, liderada pelo provedor João Bela. Carlos Duarte, conhecido como fotógrafo e repórter fotográfico da nossa praça, sugeriu ao antigo provedor, Fernando Maria da Paz Duarte, a criação de um corpo de voluntários, mas a sua concretização só se tornou viável no ano em curso. Desde o princípio, foi assumida como uma expressiva mais-valia no apoio, concreto, a doentes em fase de tratamento, em especial ao nível da fisioterapia, rumo à normalização necessária e possível da vida de cada um.
Conta Carlos Duarte que em maio de 2011 foi lançada uma campanha, através da Igreja Católica e dos meios de comunicação social da região, no sentido de convidar interessados em fazer uma experiência de voluntariado nesta área. «Para nosso espanto, surgiram cinco dezenas de inscrições, de todo o concelho; alguns candidatos já eram voluntários no Hospital de Aveiro», afirmou o nosso entrevistado.
Em conversa com Celerina Cunha, Graciete Marques e Alexandre Cruz, todos eles com larga experiência neste setor, iniciou-se o processo de organização do primeiro grupo de voluntariado no HCCI e a consequente ação de formação, tendo em vista as necessidades específicas dos doentes assistidos nesta unidade. E esclareceu que, neste caso, os voluntários não têm que lidar com situações dolorosas nem com doentes em fase terminal das suas vidas.
O nosso entrevistado frisa que nem todos têm vocação para estas tarefas, sendo garantido que, ao fim de seis meses de trabalho, há os que ficam para sempre, normalmente, e os que desistem. «Há candidatos ao voluntariado que estão mais à espera de resolver os seus problemas de saúde e de solidão do que ajudar os outros», adiantou.
Disse que, no fundo, todos, doentes e voluntários, «têm muito a dar e muito a receber uns aos outros», dentro dum contexto concreto e no âmbito dos direitos e deveres de cada grupo, clarificados desde o início, onde o espírito de responsabilidade tem de ser uma constante.
Carlos Duarte mostra-se entusiasmado com este serviço, sobretudo por confirmar que continuam a surgir novos candidatos, que estão à espera de formação. Mas este setor, exigente como tudo o que diz respeito a doentes, precisa de dinamizadores de atividades que mobilizem os voluntários para que, em cooperação com os profissionais e dirigentes, organizem festas e outras iniciativas que ocupem os doentes, para além do dia a dia na unidade.
Os voluntários do HCCI são abrangidos pela faixa etário dos 50 aos 60 anos, mas também há jovens entre os 20 e os 30 anos, das mais diversas profissões.
Cláudia Duarte e Carlos Duarte
90 dias de internamento
Para Cláudia Duarte, diretora do HCCI, «esta é a primeira casa, antes de o doente regressar à sua residência, depois de sair dos hospitais normais, de Aveiro ou outros; aqui faz a sua recuperação e preparação, tanto dele como de sua família, no sentido de voltar a integrar-se no seio familiar».
Aquela responsável informa que os doentes são encaminhados para HCCI por uma equipa coordenadora, local, composta por um médico, um assistente social e enfermeiros, que analisa a situação do eventual utente, avalia o estado em que ele está e verifica se reúne todas as condições para entrar nesta unidade da Santa Casa da Misericórdia de Ílhavo. Quando é o Hospital de Aveiro, ou outro, que envia os doentes, já uma equipa do próprio hospital fez a respetiva avaliação, explica a diretora.
Cláudia Duarte diz que em média os internados ficam na unidade 90 dias, podendo haver casos que justifiquem uma prorrogação para concluir os tratamentos. E sobre os critérios que presidem à seleção, a nossa entrevistada adianta que «haverá alguns de natureza social, mas, só por isso, não; tem de haver sempre uma justificação clínica».
Depois de esclarecer a natureza das comparticipações, oriundas da ARS (Administração Regional de Saúde), da SS (Segurança Social) e do próprio utente ou seus familiares, Cláudia Duarte frisa que, «quando a família é cuidadora, também há possibilidades de o doente ser admitido, para descanso dos próprios familiares, 90 dias por ano». Neste caso, «a família recorre ao seu médico de família, que se encarregará de encaminhar o processo para a equipa coordenadora».
Em média, o HCCI, que completou um ano no passado dia 13 de novembro, tem 55 utentes, o que corresponde à lotação completa. E para os servir e acompanhar, há 22 enfermeiros, 22 auxiliares, médicos, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas diversos, administrativos, uma equipa de fisioterapia e 43 voluntários, «que não são profissionais, nem funcionários».
Júlio Franco conversa com um doente
Disponível para servir
Júlio Franco, 61 anos, ilhavense e aposentado da ARS é o coordenador dos voluntários e ele próprio um homem disponível para servir quem precisa. E contou a sua história relacionada com o voluntariado: «Quando me aposentei, senti que tinha mais tempo livre e em conversa com a minha esposa chegámos à conclusão de que poderíamos integrar uma qualquer equipa de voluntariado; a convite de alguém vim para aqui e participei na primeira equipa de formação; e aqui tenho estado, com muito gosto».
Tem como horário fixo a quinta-feira à tarde; porém, «quando é necessário acompanhar algum doente aos HUC (Hospitais da Universidade de Coimbra), ou outros, eu assumo essa tarefa». A propósito do que considera fundamental para desempenhar esta missão, Júlio Franco diz prontamente: «O voluntário tem de ter boa vontade e amor ao próximo». E mais: «O que nos traz aqui não é tanto a instituição em si, mas os doentes; o voluntário não recebe nada, mas ainda gasta algum dinheiro nas festas que se organizam; o voluntário tem de ser uma pessoa disponível e com gosto de servir e de ajudar quem mais precisa.»
Júlio Franco reconhece que estes doentes estão bastante carenciados e por vezes ficam muito calados; nestes casos, nós temos de aprender a lidar com eles, sendo certo que o mais importante é saber ouvir os que precisam de desabafar. «Oiço mais o que eles querem dizer, mas também alimento o diálogo, dando-lhes sempre a primazia; com o tempo, passamos a conviver com eles com mais naturalidade», concluiu.