Repensar para renovar as paróquias
António Marcelino
«Hoje há paróquias com uma população diminuta, sem padre residente, sem gente para assumir tarefas, com muitos idosos e poucas ou nenhumas crianças, mas guardando, ciosamente, os restos já mortos da cristandade. Porque são instituições canónicas, o povo reivindica direitos, quer tudo como nos tempos áureos do pároco residente e de gente para tudo. Deste modo, os padres que restam, no interior e nos meios rurais, muitos com várias paróquias, passaram a ser viajantes apressados para celebrar missas sem conta, sem disponibilidade interior para estudar e reflectir sobre o que andam a fazer e o que é preciso que se faça.»
As atitudes perante a mudança tanto podem favorecer como impedir a renovação. Por isso, se torna urgente, quando está em causa uma renovação necessária, que haja tempo para repensar, o que não se poderá fazer sem escutar, confrontar, avaliar.
Agora está em causa a paróquia, uma estrutura canónica secular, de origem rural, que acabou por entrar nos meios urbanos, com vantagens e dificuldades que perduram. Confinada a um território demarcado, a paróquia significa, ainda hoje e em muitos casos, a expressão normal da Igreja próxima das pessoas. Proporciona os meios necessários à vida cristã, fomenta e permite a relação mútua, compromete as pessoas em projectos comuns, serve-lhes de referência religiosa. Tempos idos, cada paróquia tinha o seu pároco; a mobilidade das pessoas era restrita; todos se conheciam e participavam; o próprio bairrismo, por vezes mais forte do que a fé, também gerava coesão. Mesmo os que emigravam sentiam que estavam na paróquia as suas raízes.
Mas tudo foi mudando. Hoje há paróquias com uma população diminuta, sem padre residente, sem gente para assumir tarefas, com muitos idosos e poucas ou nenhumas crianças, mas guardando, ciosamente, os restos já mortos da cristandade. Porque são instituições canónicas, o povo reivindica direitos, quer tudo como nos tempos áureos do pároco residente e de gente para tudo. Deste modo, os padres que restam, no interior e nos meios rurais, muitos com várias paróquias, passaram a ser viajantes apressados para celebrar missas sem conta, sem disponibilidade interior para estudar e reflectir sobre o que andam a fazer e o que é preciso que se faça.
A Igreja não pode abandonar os cristãos, muitos ou poucos, novos ou velhos que eles sejam. Mas não se pode dispensar de ver como os deve ajudar melhor e como garantir o acolhimento, a riqueza da Palavra, dos Sacramentos e do amor solidário, como responder, com realismo, às necessidades de cada um, para que possa viver e crescer na fé e no compromisso apostólico, segundo a sua idade e condição. Não pode deixar de ver como fazer comunidade e praticar uma pastoral missionária, como dar tempo e atenção às famílias, aos pobres, aos doentes e aos que, sem filhos próximos, vivem na solidão. E, ainda, como abrir o coração de cada um à comunhão universal, para ninguém se sinta isolado do mundo, como usar a rádio e a televisão para apoiar a sua vida religiosa e vencer o isolamento que deprime e empobrece. A situação requer, como se vê, criatividade e inovação. Campo aberto ao padre que permanece no seu posto, fiel à sua missão, dado a todos num mundo com características novas.
Não se faz acção pastoral com nostalgias, nem copiando o que se realiza em paróquias diferentes. Também não se faz, por certo, minimizando ou abandonando o campo onde permanecem pessoas, que aí vivem e lutam. A hora não é de afirmações teóricas, mas de procura de caminhos novos, experimentados aí onde se vive e trabalha.
De há muito se defende que é bom que os padres vivam e trabalhem em equipa. Assim poderão ser mais criativos e felizes, ter iniciativas válidas preparar leigos para novas tarefas e ministérios, dado que o padre não é dono, mas irmão com os irmãos.
Às paróquias da cidade não lhes faltam problemas e exigências, e o trabalho em equipa não é aí menos urgente. Não há mais “a minha e a tua paróquia”, mas a Igreja na cidade. O individualismo é morte da acção pastoral e péssimo exemplo para os paroquianos que restam. Grande organização, como foi timbre das paróquias modelo da década de cinquenta, estagna, leva à rotina, ao anonimato de quem sai da órbita do padre, à acção delegada que esconde o rosto do pároco e dificulta o contacto com ele, porque está presidindo a tudo, muito ocupado no escritório e nada indisponível para acolher e escutar. Onde abunda organização de chefe centralizador, falta vida e Evangelho.
A vida paroquial tem pecados de raiz, que agora vêm ao de cima e podem ultrapassar-se mais facilmente. Estou convicto de que sem uma atenção cuidada à realidade e às várias estruturas pastorais, pessoais e canónicas, no caso concreto, às dioceses e paróquias, da parte de quem as deve servir, não é possivel qualquer renovação. As estruturas não são um fim, mas meios necessários, que tanto podem ajudar a vida, como propiciar a morte e o afastamento das fontes da vida.