Que se entende por religião?
Anselmo Borges
Quando se fala em religião em sentido estrito, é necessário começar por distinguir um duplo pólo: a religião refere-se ao pólo subjectivo, isto é, ao movimento de transcendimento e entrega confiada a uma realidade sagrada, que é o pólo objectivo - o Sagrado ou Mistério. O religioso diferencia-se, pois, do profano, já que indica o modo concreto e peculiar de assumir a existência na perspectiva do Sagrado. Todas as religiões têm em comum o facto de estarem referidas a um âmbito de realidade que é o Sagrado, e são um sistema organizado de mediações - crenças, práticas, símbolos, lugares... - nas quais o Homem religioso exprime o seu reconhecimento, adoração, entrega à Transcendência enquanto fonte de sentido e salvação.
A religião enquadra-se na experiência radical de dependência, implicando um núcleo com esses dois pólos: um pólo objectivo, constituído pela presença de uma realidade superior de que se depende, e um pólo subjectivo, que consiste na atitude de reconhecimento dessa realidade por parte do ser humano.
Neste contexto, P. Schebesta apresenta uma definição paradigmática: "A religião é o reconhecimento consciente e operante de uma verdade absoluta ('sagrada') da qual o Homem sabe que depende a sua existência." É a partir deste núcleo que se entendem os múltiplos elementos visíveis das religiões: crenças, ritos, instituições, espaços e tempos sagrados, etc., diferentes segundo as culturas e tempos históricos e unidos pelo facto de constituírem mediações religiosas. Na sua variedade, as diferentes definições de religião têm um elemento comum que as caracteriza e autentica: "Apontam para uma entidade meta-empírica determinante da atitude humana como base da estrutura da religião. É o último necessário, que adopta formas e nomes distintos: o santo, o misterioso, o divino, o sobrenatural. Numa palavra, um algo outro que não é coberto inteiramente com os termos que designam as coisas que o homem tem à mão."
Qual é então o critério decisivo para determinar o que é realmente a religião?
Há hoje acordo entre os especialistas no sentido de verem esse critério na referência e relação com uma realidade última salvífica. São fundamentais estes dois elementos: entrada em contacto com a ultimidade, que se apresenta como dando sentido último e salvação.
Ao contrário da ideia corrente, no domínio religioso, Deus não é figura primeira e determinante a não ser para um determinado tipo de religião: a religião monoteísta. É célebre, neste contexto, a afirmação de Leeuw: "Deus é um fruto tardio na história religiosa." O conteúdo central da religião é o absoluto, o transcendente, o abrangente, o numinoso.
Assim, para os fenomenólogos da religião, como J. Martín Velasco, por exemplo, o homem religioso é aquele que assume uma determinada atitude face ao Sagrado, entendendo-se por Sagrado aquele âmbito de realidade que se traduz por termos como "o invisível", "a ultimidade", "a verdadeira fonte do valor e sentido últimos", "a realidade autêntica". A religião não é em primeiro lugar ordo ad Deum (relação com Deus), mas ordo ad Sanctum (relação com o Sagrado). Antes da sua configuração como deuses e Deus, o "objecto" da religião é o Sagrado ou o Mistério, que é ao mesmo tempo absolutamente transcendente e radicalmente imanente. O homem religioso faz a experiência do Sagrado ou Mistério enquanto Presença originante e doadora de toda a realidade. É Presença enquanto Transcendência radical no centro da realidade e da pessoa e, assim, Imanência, isto é, Presença mais íntima à realidade e à pessoa do que a sua própria intimidade.
Para o homem religioso, a realidade não se esgota na sua imediatidade empírica: para a sua compreensão adequada, a realidade mesma aparece-lhe como incluindo uma Presença que não se vê em si mesma, mas implicada no que se vê. Mediante certas características - a contingência radical, a morte e o protesto contra ela, a exigência de sentido -, a própria realidade se mostra implicando essa Presença sagrada, divina, como seu fundamento e sentido últimos.