Serrazes foi uma grande experiência de férias diferentes. O contacto com a natureza, virgem e verdejante, deixou marcas indeléveis no meu espírito e no espírito de todos os meus filhos e esposa. Não conhecíamos tal povoação do concelho de S. Pedro do Sul, mas um casal amigo, Margarida e Jeremias Bandarra, teve a gentileza de nos indicar o parque de campismo ainda desconhecido de muita gente, mais dada a esta forma de gozar férias sem grandes custos.
A primeira visita terá sido numas miniférias, ao que suponho de Carnaval. Chuva, muita chuva, estragou-nos a festa. Mas nem assim deixámos de programar o acampamento para o mês de agosto. E assim foi. Nesse longínquo mês de agosto e noutros que se lhe seguiram.
O parque de campismo de Serrazes tinha o estritamente necessário, sem luz elétrica. Porém, lá nos adaptámos a essas raras condições de sobrevivência. A luz veio tempos depois.
O contacto com a natureza sem mácula, longe de ruídos e da poluição, sem multidões no acampamento, sem horários nem pressas, era a mais-valia desejada para quem precisava mesmo de descansar. E que recordações!
Junto ao parque havia a casa do guarda florestal. O guarda e sua esposa dispensavam a maior atenção aos campistas, talvez porque se sentiam acompanhados. Na falta de frigorífico, era na adega, fresca, que os campistas refrigeravam os comestíveis e bebidas. E o casal ainda fornecia, a preços razoáveis, legumes, ovos, galinhas, coelhos e outros produtos da horta.
Ao lado do parque havia um tanque, de água corrente e fresca para regar, onde todos podiam nadar e mergulhar à vontade, sem qualquer taxa, como era corrente noutros parques.
Permitam-me que sublinhe a alegria da malta naquela água fresquíssima em dias de tanto calor. A mais destemida era, sem dúvida, a minha filha Aida, que não se fartava das longas braçadas e dos mergulhos constantes. O rio ou ribeiro próximo também se prestava a boas brincadeiras, numa franca camaradagem entre toda gente que passava férias naquele ambiente paradisíaco.
Do parque partíamos à descoberta da região.
O solar dos Malafaias dava nas vistas, pela sua beleza e ineditismo, em terra de gente não muito abastada. Visitei-o graças a um colega que lecionava e vivia em Serrazes, e cujo nome se me varreu da memória. Ouvi histórias interessantes, nas quais se incluía um crime passional que deu brado no país. Foi relatado em livro, com o título de "Crime de Serrazes", se bem me lembro. Dos Malafaias, aristocratas rurais, se dizia que viviam na Trapa e que se transferiram para Serrazes por discordarem de uma estrada que lhes passou à porta. Também se contava que os Malafaias, quando iam a Lisboa, em demorados percursos, pernoitavam sempre em propriedades suas.
Nessa altura visitámos as ruínas do Convento de S. Cristóvão, agora transformado, depois de total reconstrução, em hotel de Turismo Rural, graças à iniciativa do Prof. Catedrático Jubilado da Universidade do Porto, Walter Osswald.
Quando lá fomos, vi, com mágoa, uma família paupérrima, isolada da sociedade e sem recursos mínimos de sobrevivência. Margarida Bandarra e minha esposa ofereceram-lhe roupas.
O convento de S. Cristóvão havia sido mandado construir por D. João Peculiar, que foi arcebispo de Braga e um dos principais conselheiros de D. Afonso Henriques.
Quando passei por Santa Cruz da Trapa tentei adquirir uma pequena monografia da terra, escrita pelo pároco da freguesia. Estava de férias, nada feito. Tempos depois, o autor teve a gentileza de ma enviar como oferta, decerto depois do tal colega lhe ter falado do meu interesse.
Em S. Pedro Sul comprei, numa livraria que ainda no ano passado reconheci, perto do monumento ao poeta António Correia de Oliveira, um livrinho, "Etnografia da região de Lafões", que descrevia, entre outras curiosidades, a famosa Pedra da Escrita. Fiz questão de a procurar.
Um dia, com os meus filhos e outras crianças e jovens de Coimbra, lá fomos. Na aldeia fomos perguntando, mas nada. Até que um aldeão, já de idade avançada, se prontificou a levar-nos ao monumento megalítico com inscrições indecifráveis. No meio do mato, do denso pinhal, lá estava a famosa pedra. Essa caminhada, com as canelas marcadas pelos espinhos agressivos do tojo, persiste na minha arca de boas recordações.
No ano passado passei pelo parque. Que desolação. Tudo abandonado e nem vivalma por ali. Era agosto. Foi por isso que hoje recordei Serrazes. Mas ficam tantas histórias por contar. Ficam para a próxima.