sábado, 27 de agosto de 2011

DIAS DA JUVENTUDE DE UM GAFANHÃO

Recordações do Ângelo Ribau

Entretanto, enquanto esperava, peguei num livro que ia lendo aos pedaços, quando a disponibilidade de tempo mo permitia. Era “As Pupilas do Senhor Reitor” um livro leve e agradável, escrito por Júlio Dinis. Terminado este, já punha o olho numa colecção de capas vermelhas que existia numa estante. Era uma extensa colecção do mesmo autor - Júlio Verne – vinte e tal livros, que resolvi, logo que tivesse tempo, começar a ler. Ordenei as minhas ideias, e decidi que começaria pelo número um: 
 - “Da Terra à Lua”. 
- Não se pensava em voar e ele descreveu “Cinco Semanas em Balão”
- Não se pensava no mundo submarino e ele descreveu com pormenor que impressionou, as “Vinte Mil Léguas Submarinas”. 
Quem o leu nunca mais esquece o Capitão Nemo, o construtor e comandante do Nautilus. Enfim, ler é viver quando não temos a possibilidade de viver, para depois escrever, e os outros lerem. No entanto Júlio Verne descreveu sem viver. A sua imaginação prodigiosa parece nada ter inventado. Ele via antes de qualquer mortal o fazer. O futuro deu-lhe razão. Praticamente tudo o que ele escreveu se concretizou. Estou a recordar um dos seus mais extraordinários livros “Miguel Strogoff”. Custou-me a acreditar que, tendo ele sido mandado cegar, passando-lhe um sabre aquecido ao fogo sobre as vistas, se verificasse, mais tarde, que as lágrimas que ele chorava, arrefecessem a lâmina do sabre, o que lhe evitou a cegueira. Este facto consta de um dos comentários que li, e foram vários, que aconteceram à personagem do livro. E estes comentários têm muito poucos anos.
Finalmente, entre sol e chuva, as terras foram todas margeadas e semeadas. Agora, enquanto não se arranjava outro trabalho, o tempo ia descansando o físico, a mente ia-se cultivando, e até havia tempo para, de vez em quando, ir visitar um amigo que havia adoecido, doença que o obrigava a estar acamado. Conversávamos, jogávamos uma suecada quando calhava, e lá o ia ajudando a passar o tempo. A chuva parara. Havia possibilidades de o dia seguinte ser um dia de sol. Logo havia a ordem: 
- Se amanhã o dia estiver bom, vamos à marinha apanhar mais uma bateira de estrume! Logo que a disponibilidade de tempo mo permitia, era lido mais um bocado de livro. O que era necessário era estar tempo de chuva, pois se não chovesse, lá estavam as terras para semear. Mesmo assim, sempre se arranjavam uns bocados de tempo para leitura, às vezes com a ajuda do pai do Toino, que já tinha lido toda a colecção, e, por vezes, quando andava bem disposto, enquanto trabalhavam, ia contando parte daquilo que tinha lido! Do primeiro livro, ao lê-lo, cheguei à conclusão de que já tinha lido aquilo em qualquer parte… 
 Tudo o que aquele autor escrevia, não era sobre o passado, nem tão pouco sobre o presente. Era sobre o futuro! E o Toino na idade em que estava, tinha era de pensar sobre o futuro, que para ele não se apresentava nada risonho! E estes livros davam-lhe a oportunidade de sonhar com o futuro. Foi o autor que mais me impressionou em toda a minha juventude, e ainda agora, quando nele penso, fico impressionado quanto à visão futurista daquele extraordinário autor e as suas descrições. 
- Nem sequer se pensava nisso e ele descreveu com extraordinário pormenor as viagens “Da Terra à Lua” e “à Roda da Lua”! Tudo o que aquele autor escrevia, não era sobre o passado, nem tão-pouco sobre o presente. Era sobre o futuro! E o Toino na idade em que estava, tinha era de pensar sobre o futuro, que para ele não se apresentava nada risonho! E estes livros davam-lhe a oportunidade de sonhar com o futuro. Foi o autor que mais me impressionou em toda a minha juventude, e, ainda agora, quando nele penso, fico impressionado quanto à visão futurista daquele extraordinário autor e as suas descrições. Enfim, ler é viver quando não temos a possibilidade de viver, para depois escrever, e os outros lerem. No entanto Júlio Verne descreveu sem viver. A sua imaginação prodigiosa parece nada ter inventado. Ele via antes de qualquer mortal o fazer. O futuro deu-lhe razão. Praticamente tudo o que ele escreveu se concretizou. Estou a recordar um dos seus mais extraordinários livros “ Miguel Strogoff”. Custou-me a acreditar que tendo ele sido mandado cegar, passando-lhe um sabre aquecido ao fogo sobre as vistas, se verificasse, mais tarde, que as lágrimas que ele chorava, arrefeceram a lâmina do sabre, o que lhe evitou a cegueira. Este facto consta de um dos comentários que li, e foram vários, que aconteceram à personagem do livro. E estes comentários têm muito poucos anos. Finalmente, entre sol e chuva, as terras foram todas margeadas e semeadas. A chuva parara. Havia possibilidades de o dia seguinte ser um dia de sol. Logo havia a ordem: 
- Se amanhã o dia estiver bom, vamos à marinha apanhar mais uma bateira de estrume! A ideia da cobra veio-me à cabeça, e não me deixou nada descansado. Enfim o tempo começava a esfriar e possivelmente as cobras estariam metidas nas suas tocas, protegendo-se do frio. Era esta a minha esperança… O tempo estava na verdade melhor no dia seguinte, e, manhã cedo, lá fomos nós, o pai de gadanha e engaço ao ombro e o Toino com as duas varas, em direcção à bateira. O dia não era de chuva, mas a manhã estava fria. Notou-se logo ao meter os pés na lama para alcançar a bateira. Soltada esta do moirão aí vamos nós para Esteiro do Oudinot. Salto para a margem com a cirga na mão, estico-a ponho-a ao ombro, e vá de puxar a bateira. São dois quilómetros de extensão, contra a maré. Chegado ao fim é recolhida a cirga, entro para a bateira, pegamos nas varas e vá de atravessar a cale, sempre com muita atenção, não vá aparecer algum navio, que nos atrapalhe a manobra. Chegados ao fundão, vá de “paijar” com as varas como se fossem remos, dado que a cale era muito funda e as varas não atingiam o fundo. Passámos sem problemas e da outra banda voltámos na empurrar a bateira com as varas, até que chegamos à marinha, amarrámos a bateira e toca de começar a trabalhar. 
O pai do Toino a gadanhar o estrume e o Toino sempre com o olho à viva, (não fosse aparecer outra cobra) ia-o juntando e enfeixando na corda. Quando o molho estava com a quantidade suficiente era amarrado. O Pai puxava a corda de um lado e o Toino do outro, apertavam-no, davam um nó, o pai ajudava a pô-lo na cabeça do Toino, e aí vai ele correndo com o molho de estrume à cabeça, sempre a pensar nalguma cobra… Este serviço repetia-se vezes sem conta, até que a bateira estivesse carregada. Depois era o regresso pelo Esteiro do Oudinot, o carro dos bois à espera, o descarregar da bateira… Este serviço era executado dias sem conta, sempre que o tempo o permitisse, até que houvesse estrume suficiente, para as camas do gado durante o inverno, que aí vinha. O tempo ia piorando. O vento e as chuvas anunciavam o tempo que aí vinha, a chegada do inverno. Já havia dias de chuva, que permitiam ao Toino ler uns bons pedaços do livro que andava a ler, até ser “acordado” do sonho que a leitura lhe provocava, por ordens do pai que dada a ordem continuava na sua leitura: 
- Oh Toino vai dar uma gabela de palha aos bois, ou; 
-Dá uma gabela de erva à vaca. 
O Toino deixava a leitura, e ia confirmar a ordem junto do pai, não que não tivesse ouvido bem, mas para confirmar qual o livro que o pai estava a ler. Punha o olho de lado, e lá ia cumprir a ordem. De regresso, ainda se atreveu: 
- Olha lá ó pai, quantas vezes já leram esse livro? (era o Mártir do Golgota) …
 - Não sei, mas gosto muito dele. Tem aqui uma personagem que me faz pensar: e continuou; era o cantor da Galileia, e ia fazer serenatas a Madalena a pecadora. Chamava-se Boanerges. Se um dia tiver um neto gostava que lhe dessem esse nome… 
 E lá continuavam, cada um com a sua leitura, até que da casa do forno se ouviu a vós da mãe: 
– É pessoal, vamos à janta que o comer já está na mesa! Só nessa altura o Toino se lembrou de ter ouvido o meio-dia tocar no sino da igreja. E lá deixaram as leituras e foram para a mesa. O Toino olha para a comida e resmunga: 
– Mais uma vez caldo de feijões…
– E é para quem quer, responde-lhe a mãe, Se não quiseres vai para a panela e fica para logo à noite. Nesta casa não se estraga nada… E como naquela casa só se falava o necessário, a solução era comer do que havia e bico calado! 
O tempo ia passando, sem o Toino fazer ideia do que aí vinha. Agora era tudo um mar de rosas. Ler, ir ao pasto para os bois, fazer qualquer outro serviço que fosse necessário, e ler, ler! Mas o tempo começava a esfriar ainda mais. O vento assobiava por entre os ramos das árvores agora já nuas, sem folhas. O inverno estava a chegar e parece que iria ser de muito frio. 
- O futuro o dirá, foi a resposta do pai do Toino à pergunta do filho sobre o assunto. Ele, que no verão prevía o tempo, agora mostrava uma certa reserva, sobro o inverno que se aproximava. Parecia preocupado! 
 - Comprámos o moliço dos viveiros da Corte do Paraíso, e temos de o apanhar antes do fim de Fevereiro e transportá-lo para as terras. O tempo de o apanhar está a chegar. Comprei o moliço mais dois dos teus tios e domingo vamos combinar quando começamos a apanha-lo! Vai começar uma época de trabalho. 


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